A música do Sertão, paradoxalmente, não é sertaneja. Tampouco é de expressões artísticas nascidas no interior do Brasil. O Sertão foi inevitavelmente invadido pela música urbana que predomina no mercado. Com poder de fogo para alcançar do cais às chapadas de Minas Gerais, esta música produzida em massa no Centro-Oeste age como um rolo compressor, em escala industrial, mas não contaminou todos os rincões.
Lá pros lados de Vitória da Conquista, na Bahia, há um músico, poeta, cantador que continua incólume ao que acontece pelo mundo: Elomar Figueira de Melo. Sua obra parece ter sido lavrada há séculos, as expressões que emprega nas letras é quase um dialeto. Um fóssil que encanta gerações há, pelo menos, 40 anos. Elomar Figueira se apresenta neste domingo, no Teatro Santa Isabel, com a cantora mineira Titane, mais uma artista atraída pela música do baiano dos sertões.
E por sertões, aí, entenda-se os sertões de Guimarães Rosa, que é um misto de mito e realidade, de gaviões, onças, carantonhas: “Escuto Elomar desde sempre. Comecei a carreira em 1980 e a música dele me lembrava o Vale do Jequitinhonha. A ideia de fazer um disco inteiro com música de Elomar surgiu quando fiz, por encomenda de Mário de Aratanha (da gravadora Kuarup), uma gravação de Segundo Pidido, com o violonista Hudson Lacerda, e começamos a fazer recitais com músicas de Elomar”, conta Titane.
Hudson, por sua vez, foi copista, revisor e coautor das notas de edição na transcrição em partituras do cancioneiro de Elomar Figueira Mello que formam o livro Elomar: Cancioneiro, publicado pelo Duo Editorial em 2008. A dupla apresentou o concerto durante dois anos, sem gravar. Até que se submeteram à prova de fogo ao tocar Elomar para o próprio Elomar, que não apenas gostou, mas fez sugestões. Aprovou. “Ele foi muito atencioso, pediu para ouvir mais de uma vez, tece um comentário ou outro.
Os muitos que cantam Elomar têm suas próprias interpretações. No meu disco, eu tenho como característica a viola elomariana, mais próxima do estilo dele”. Em 2017, Titane apresentou-se com Elomar, em Belo Horizonte, numa celebração aos 80 anos que ele então completava. Ainda em BH, na Sala Minas Gerais, em 2018, fizeram juntos o concerto Titane em Noite de Santos Reis, o título sendo uma alusão a uma canção de Elomar, de 1978.
CAVALEIRO
“Elomar é um cavaleiro encantado, um dos maiores compositores da história da música brasileira. Ter minha voz soando em duo com a voz dele, recebê-lo no palco, me enche de alegria e encantamento! Fico orgulhosa por podermos cantar Brasil afora, juntos”, exulta Titane, que trabalha com música desde os anos 80. Em 1966, chamou atenção com Inseto Raro, em que gravou inéditas de Chico César, Lenine, Luiz Tatit, Maurício Pereira, André Abujamra. Seu campo de atuação situa-se em Minas Gerais.
Em Sá Rainha (2000) canta uma música fundada em elementos afromineiros. No musical Titane e o Campo das Vertentes, que também teve DVD e livro, a cantora enfatiza a obra de músicos mineiros. Mais recentemente, tem feito shows com Tulio Mourão, músico experiente que tocou com todo mundo, inclusive numa das formações dos Mutantes. A dupla apresenta shows-manifestos do disco Paixão e Fé (2015).
Como solista de Elomar, ela se acompanha por Hudson Lacerda, ao violão, e Toninho Ferragutti: “No show, incluo um trecho do Dom Quixote, de Cervantes. Mas não é fácil cantar com Elomar, chegar às tonalidades que ele dá. Mas, ao mesmo tempo, eu sinto conforto em cantar com ele, com esta música que é a nossa herança ibérica”. Neste período de convívio com Elomar, Titane teve a honra de cantar em Vitória da Conquista, na Casa dos Carneiros, localizada na própria fazenda onde Elomar vive, faz músicas e cria seus bodes. Na apresentação do Santa Isabel, Elomar e Titane também serão acompanhados por João Omar, que é maestro, violonista e celista. O repertório foi selecionado especialmente para o concerto.
Concerto com Elomar e Titane –Hoje, 19h, no Teatro de Santa Isabel. Ingressos R$ 10 e R$ 50. Fone: 3355 3323 ELOGIO
