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Leonard Cohen mais poeta que músico em disco póstumo

Canções foram compostas nos últimos meses de vida

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 26/11/2019 às 11:39
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Canções foram compostas nos últimos meses de vida - FOTO: Foto: Divulgação
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No início dos anos 80, Leonard Cohen e Bob Dylan se encontraram em Paris. Coincidiu de ambos estarem na cidade e combinarem de ir até um café. Dylan mostrou a Cohen a letra de I and I (do álbum Infidels, de 1983). Perguntado sobre quanto tempo havia levado para escrevê-la, Dylan respondeu: cerca de 15 minutos. Leonard Cohen mostrou-lhe a letra de Hallejuah. Dylan quis saber quanto tempo ele levou para fazê-la. Cohen respondeu que passou alguns anos escrevendo. Na verdade, levou cinco anos, centenas de estrofes, que ocuparam vários cadernos.

Hallelujah é a faixa que abre o lado B do LP Various Positions (1985). “Uma canção sobre o motivo de se escrever (atrair as mulheres, agradar a Deus), sobre a mecânica da composição, sobre o poder das palavras, e a palavra em si, sobre sexo, uma canção de total entrega”, como está descrito no livro I’m Your Man – The Life of Leonard Cohen, de Sylvie Simmons). O canadense (de Westmount, Quebec) Leonard Cohen é um cantor e compositor do tipo que não existe em série. É parte de uma linha integrada por nomes feito Chico Buarque, o citado Bob Dylan, o francês Charles Trenet, o americano Cole Porter.

São donos de uma obra de música popular que transcende o meramente comercial, embora tenham feito sucesso. Uma obra que diverte e leva a reflexões. Leonard Cohen, faleceu em 2016, três meses e nove dias depois de Marianne Ihlen, com quem viveu por quase toda década de 60, para quem escreveu a canção So Long Marianne. A carta de adeus dele para ela foi lida no funeral de Marianne. Um romance que virou o documentário Marianne and Leonard, dirigido por Nick Broomfiel. Romantismo foi apenas uma das facetas de Cohen, cuja vida daria mais que uma biografia, um romance.

Aliás, escrito por ele mesmo, o autobiográfico The Favourite Game (1963). Leonard Cohen publicou o primeiro livro em 1956, aos 22 anos. Estreou em disco, em 1967, aos 33. Compor, para ele, era mais escrever do que fazer canções. Por isso a demora em chegar a uma letra final para Hallelujah. Quando soube que estava com câncer e que não teria muito tempo, Leonard Cohen compôs com mais urgência, mas sem perder a exigência que tinha consigo no que escrevia. Seu 14º disco de estúdio, You Want it Darker foi lançado pela Columbia 19 dias antes de Leonard Cohen morrer.

Três anos e 15 dias depois de sua morte chega às lojas físicas e digitais seu 15º disco, o primeiro póstumo: Thanks for the Dance, um projeto que teve Adam Cohen, seu filho, à frente, com diversas colaborações, tanto na produção quanto nas participações: Beck, Jennifer Warnes, Damien Rice Feist. São canções inéditas, ou semi-inéditas, caso da faixa que dá nome ao disco, lançada em 2006, pela cantora Anjani Thomas. Cohen fez modificações na letra. Compositores desta cepa, à medida que envelhecem, aprimoram-se. Música e letra tornam-se cada vez mais lapidadas e demoradas. Alarga-se o espaço de tempo entre um e outro disco.

Leonard Cohen chegou a passar oito anos para lançar um novo álbum, Old Ideas (2012). A partir daí, encurtou o tempo entre um álbum e outro para dois anos. Encurtou também o período de lapidação de cada canção. Esta coleção que forma Thanks for the Dance foi criada com as que foram incluídas em You Want it Darker. Não apenas criadas, como gravadas, enquanto o artista aguardava que se cumprisse o que lhe estava destinado. Estava com 82 anos, e ainda cheio de dúvidas, procurando desvendar os mistérios de haver coisas que combatia, o fascismo, e que perseguia, ou lhe perseguiam, o sexo.

Em The Night of Santiago, uma das letras mais longas do álbum, ele narra o encontro com uma mulher em Santiago (provavelmente de Cuba), vai a detalhes, e confirma a força do sexo: “Embora tenha esquecido metade da minha vida/eu ainda me lembro disso”. Em Puppets (Marionetes), à força da repetição deplora o fascismo, o nazismo: “Marionetes alemães queimaram judeus/marionetes judeus não tiveram escolha ... presidentes marionetes comanda tropas de marionetes para incendiar a terra”. Enquanto a vida vai-se indo, o poeta presta mais atenção aos detalhes, a pílula que o ajuda a suportar, ou a importância de sua obra, “Sempre procurei trabalhar direito/mas não digo que isto é arte/ botei minha porcaria no lugar certo/ indo ao encontro de Jesus e lendo Marx” (Happens to the Heart).

INÍCIO

A forma como canta Thanks For The Dance é sombria. Dança como metáfora à vida. “Obrigado pela dança/ lamento por você estar cansada/ a noite mal começou”, uma valsinha, com o violão do espanhol Javier Mas dedilhado ao fundo, um órgão cerzindo a canção, avisando que o baile está perto de acabar. Um coro feminino, repete-se enquanto a valsinha vai cessando. Adam Cohen, que fez a direção musical, reuniu as canções como um roteiro, que termina com um poema em que um colibri é mais uma metáfora. “Ouça o colibri/ cujas asas você não pode ver/ ouça o colibri/ mas não a mim”. As canções, em sua maioria são poemas, com música de fundo. Perto da morte, Leonard Cohen volta a ser mais o poeta da juventude do que o louvado bardo da canção da idade adulta.

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