Efeméride

1970: ano do fim dos Beatles e de muitas transformações

Começava uma nova era na música popular

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 07/01/2020 às 15:17
Foto: divulgação
Começava uma nova era na música popular - FOTO: Foto: divulgação
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Venus, da banda holandesa Shocking Blues, foi a primeira canção a chegar ao topo das paradas americanas, portanto, de quase todo o planeta. Em 28 de janeiro ganhou certificado por 1 milhão de discos vendidos. Escrita por Robbie van Leeuwen, Venus fora lançada na Holanda, em julho de 1969. Lançada nos EUA, foi pegando aos poucos. Acabou como um dos maiores hits de 1970. Única música a chegar ao topo do paradão da Billboard com erros de inglês. O autor escreveu “goddess on the mountain top” (deusa no topo da montanha), a vocalista Mariska Veres, que falava pouco inglês, cantou “godness on the mountain top”. “godness” não existe em inglês. Fez-se uma correção na reedição do disco.

O Shocking foi um dos muitos one-hit-wonders do rock meio século atrás. O mesmo aconteceu com Na Na Na Hey Hey Kiss Him Good-Bye, do Steam, também uma canção lançada em 1969, mas que só estourou mundo afora em 1970. Paul Leka, Gary DeCarlo e Dale Frashue são o Steam. Eles tocaram juntos nos anos 60, o grupo acabou e DeCarlo, no final de 68, gravou quatro canções, na Mercury, em Nova Iorque. O produtor achou que tinham potencial, escolheu uma para o lado A de um compacto e precisava outra para o B. DeCarlos lembrou-se de uma canção antiga que fez por volta de 66. Convocou Leka e Frashue e gravaram Na Na Na Hey Hey Kiss Him Good-Bye. O “Na Na Na Hey Hey” usavam como enchimento de linguiça pra letra que não estava completa. Já que não eram um grupo, lançaram o disco com o nome de Steam.

Como a música tem um refrão muito forte, ele, anos depois, acabou sendo usado em competições esportivas, inclusive no Brasil, numa versão que começava com “araruta, araruta” e rimava com um palavrão.

O par de canções citadas, ao contrário do que se imagina, formam a maioria do que realmente tocou no rádio. O que se vê nas listas de melhores do ano são os clássicos de banda e artistas consagrados mas, com exceções, não tocaram tanto. Neil Young, com After the Gold Rush; Miles Davis, com Bitches Brew; Santana Band, com Abraxas; Creedence Clearwater com Cosmo’s Factory e Pendulum; o Led Zeppelin, com Led Zeppelin III; Black Sabbath, com Paranoid; Derek and the Dominoes, com Layla and Other Assorted Songs; The Stooges, com Fun House; James Taylor, com Sweet Baby James; The Beach Boys, com Sun Flower; Crosby Stills Nash & Young, com Déjà vu e Jimi Hendrix, com Band of Gipsys.

A lista comporta muito mais gente, afinal, os anos 60 oficialmente terminavam em 1970, e a revolução musical que se fez na música pop continuava acontecendo.

THE BEATLES

2020 será mais uma vez um ano em que os Beatles continuarão na vitrine. Em 10 de abril de 1970, completase meio século do fim oficial da banda, anunciado por Paul McCartney. Let it Be, o último álbum, chegou às lojas em 8 de maio daquele ano, quando o grupo não mais existia. Um dos mais fracos do quarteto, produzido por Phil Spector, que recheou de cordas, e com uma “parede sonora”, as canções que o grupo queria com instrumentação básica, o velho rock and roll. Tanto que o título original seria inicialmente Get Back. Mesmo assim, o disco é fraco pelo padrão de qualidade Beatle. Há grandes momentos em Let it Be.

Mesmo debandado, o quarteto pairou sobre a música pop em 1970. Começando pelo petardo de George Harrison, o álbum triplo All Things Must Pass. Enquanto os Beatles esgarçavam-se, George limpou as gavetas de canções recusadas por John e Paul. All Things Must Pass foi um dos lançamentos mais louvados do ano. Paul McCartney não foi tão bem recebido com McCartney, um álbum em que cantou e tocou tudo sozinho, com apenas uma música elogiada, Maybe I’m Amazed. O mais comentado dos Beatles no entanto foi o John Lennon/Plastic Ono Band, de John Lennon (e Yoko Ono). É como se tivesse gravado um álbum no divã do psicanalista. Na época, ele se submetia à terapia primal de um psiquiatra chamado Arthur Janov. As canções, cada uma delas, são uma catarse, sobretudo Mother, em que berra ter sido abandonado pelo pai e pela mãe, morta atropelada quando voltaram a conviver mais juntos. Um álbum ainda hoje arrepiante.

Ringo Starr fez discos para ele mesmo: Sentimental Journey e Beaucoups of Blues. O primeiro é um disco de standards dos anos 50, o segundo, um ótimo álbum de country music, os dois passaram despercebidos (a não ser pelos beatlemaníacos).

Quem também debandou, em 1970, foi Simon & Garfunkel, mas entregando o melhor disco da dupla, Bridge Over Troubled Waters, campeão de vendagens, e com pelo menos quatro clássicos. A faixa título, The Boxer, Cecilia, El Condor Pasa (If I Could). Porém as onze faixs do álbum são todas primorosas, inclusive a regravação de Bye-Bye Love, espécie de despedida da dupla, hit dos Everly Brothers, que os influenciou.

BRASIL

A primordial contribuição do tropicalismo foi derrubar as divisórias que existiam na música brasileira. Quem era do samba não cantava bolero, nem o do bolero cantar um baião, ou o do rock, um tango. Os dois discos mais marcantes de 1970 são de correntes supostamente antagônicas. Chico Buarque de Hollanda nº4 (ainda usando o “de Hollanda”) e Ferro na Boneca, de Os Novos Baianos. São dois álbuns que não teriam a mesma cara não fosse a virada de mesa tropicalista. Chico, tido como passadista no auge do furacão tropicalista, repaginava-se. Modernizava arranjos, temáticas das letras (parte do álbum foi gravado na Itália). Seu álbum de 1970 foi uma espécie de antepasto para a obra prima Construção, de 1971, considerado seu melhor disco.

Ferro na Boneca indiscutivelmente seria impossível sem o tropicalismo. Caetano e Gil incentivaram os Novos Baianos, Pepeu Gomes tocou no show de despedidas dos dois no Teatro Castro Alves (registrado no álbum Barra 69). O visual, a linguagem, o rock and roll baiano eram surpreendentes para a época. O repertório era como se de repente Jimi Hendrix incorporasse um Zé Limeira. Foi um ano de transição e de entrada em cena de nomes que marcariam a MPB. Tim Maia, foi um dos principais, equilibrando qualidade e popularidade. Paulo Diniz, estouro de Norte a Sul com I Want To Go Back to Bahia. Paulinho da Viola também foi um dos mais tocados do ano com Foi um Rio que Passou em Minha Vida.

Mas também fizeram sucessos patriotadas como Eu te Amo Meu Brasil, com Dom e Ravel (e com Os Incríveis) e Ivan Lins com O Amor É Meu País. O forró de duplo sentido começava sutilmente com Procurando Tu (Antonio Barros/J.Luna), que teve a primeira grvação com o Trio Nordestino). Os Mutantes lançam seu terceiro álbum, o último sob inspiração da Tropicália. Roberto Carlos, inspirado pelo musical Jesus Cristo Superstar, que fez Jesus virar atração na Broadway, compôs, com Erasmo Carlos, Jesus Cristo, a primeira de dezenas de canções religiosas de sua obra. Foi, enfim, um ano muito rico, que deixou para trás, definitivamente, o modelo da música feita até 1968. As mudanças implantadas seriam sedimentadas a partir de 1971

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