Sexta-feira, 24 de janeiro, Paulo Diniz, cantor, compositor e ator, nascido em Pesqueira, Agreste de Pernambuco, filho de um padeiro e mãe costureira, completa 80 anos. Há 50 anos, ele se tornara um dos artistas da música mais celebrados do país, emplacando sucessivos hits nas paradas de sucesso. Há vários anos deixara de ser mais um pau de arara no Rio. Trabalhava na poderosa Rádio Globo, exercendo a vocação que descobriu ainda garoto em sua cidade natal. Aos 12 anos já era locutor de difusora, dedicando músicas e declamando versos que rapazes dedicavam às moças, na pretensão de um possível namoro. A voz era bonita, o que não impediu de ser despedido da Rádio Jornal do Commercio, quando substituiu o locutor do noticiário da emissora. Não sabia nada de inglês, e não tinha ideia como se pronunciava, por exemplo Dwight David Eisenhower, o então presidente dos Estados Unidos.
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Foi para Fortaleza, onde se deu melhor, e de lá para o Rio. Não tinha pretensões a cantor, embora, pelo trabalho no programa, de imensa audiência, de Luís de Carvalho, na Globo, conhecesse a maioria dos artistas bem sucedidos, ou os que corriam atrás do sucesso. O sucesso que veio até ele por intermédio de um iê-iê-iê, de letra cômica, e interpretação idem. O que os americanos rotulam de “novelties”, grosso modo, mistura de novidade e curiosidade. A música, O Chorão: “Que coisa engraçada, eu, que nunca chorei na vida, fui fazer sucesso por causa de um chorão”, brincou Paulo Diniz numa entrevista à revista Intervalo, no início de 1967.
Naquela semana O Chorão era uma das quatro músicas mais tocadas no país. A canção composta em alguns minutos por Edson Braga e Luís Keller, levou-o a gravar o primeiro LP, que não teve o mesmo destino. A música tinha pouco a ver com ele, mas foi neste disco que inaugurou parceria com Odibar, com quem faria quase todos os seus sucessos.
SOLAR
Com o dinheiro ganho com O Chorão, Paulo Diniz comprou um Fusca. Um dia parou o carro diante do Solar da Fossa, imensa casa de cômodos de luxo, no início de Botafogo, onde morava a nata artística e cultural do Rio, de Caetano Veloso a Paulinho da Viola, de Gal Costa a Naná Vasconcelos, de Paulo Leminski ao radialista e produtor Adelson Alves (O casarão anos depois seria demolido. No local foi construído um shopping center). A convivência com tantas cabeças pensantes, conversas, novas músicas, instigou Paulo Diniz a criar com Odibar um estilo próprio, que não se inseria em nenhuma tendência da MPP na época.
A mais marcante de suas composições foi inspirada por textos que Caetano Veloso escrevia, de Londres, para o semanário O Pasquim: “A musiquinha se chama I Want to Go Back to Bahia, foi composta e é cantada por um cara novo, Paulo Diniz ... Como geralmente acontece com músicas que citam este jornaleco, parece que o negócio de Diniz já é sucesso. Questão de destino”, escreveu Luis Carlos Maciel, guru do underground nacional, na sua página em O Pasquim. Wilson Simonal queria gravar a música. Paulo Diniz achou que emplacaria com a música. Acertou em cheio.
O DEPOIS
Paulo Diniz contraiu esquistossomose num banho de rio, provavelmente no interior de Minas Gerais, terra de sua ex-mulher, com quem casou no auge do sucesso. A doença demorou a se manifestar, mas com o passar dos anos o levaria a praticamente encerrar a carreira, pela impossibilidade de se locomover, empreender viagens longas. Paulo Diniz até ironiza: “Eu passei por tudo, peguei todas as drogas, e acabo de cadeira de rodas por causa de um banho de rio”. Durante quatro anos da década de 70 foi tocado Brasil afora com Pingos de Amor, Um Chope pra Distrair, José (melodia sua sobre o poema de Carlos Drummond de Andrade), Ponha um Arco-Iris na Sua Moringa, Meu amor Chorou.
Muitas destas músicas tem suas histórias. Pingos de Amor, por exemplo, ele conta que fez pensando em Wilson Simonal, que não se interessou pela canção, que estourou com Paulo Diniz, e anos mais tarde, com Paula Toller.
Em 1978, Paulo Diniz estava morando no Recife, compondo com o poeta Juareiz Correia, com quem empreendeu uma viagem a pé para Juazeiro do Norte (CE). Uma caminhada de 36 dias. A mãe queria batizá-lo como Cícero, em homenagem ao padre. Na infância tinha o apelido de Cicinho. A ideia da viagem veio neste retorno ao Recife. Com Juareiz, produziu a I Cantoria da Música Nordestina, festival realizado no Teatro do Parque, no mesmo ano (vencido por Bubuska Valença, com Sertão, Pedra, Pau e Poeira. Foi lançado um LP do festival).
Nesta época, Paulo Diniz descobriu e gravou vários compositores locais, Numa de suas idas ao Rio, no final dos nos 70, explicou, em entrevista ao Jornal do Brasil, seu “sumiço”: “Depois de uma experiência no Rio, achei melhor voltar ao Nordeste, e trazer os valores de lá, desprezando as influências da soul music e resquícios de cidade grande. Voltei definitivamente para minha casa, minha terra, meu país, que é o Recife. Como Nordestino pobre, tive dificuldades de frequentar escolas. Sou um autodidata e somente agora estou vendo a vida com uma certa clareza, e tendo uma definição nos meus caminhos.
Para mim está aberta a porteira. Eu vou entrar para o oco do mundo”. A doença contraída anos antes o impediu de “entrar no oco do mundo”, pelo menos com o pique que preconizava na entrevista. Ele tentou tanto a medicina convencional quanto a espiritual, mas à medida que os anos passaram a doença progrediu. O “índio” alto e forte de Pesqueira locomove-se hoje em cadeira de rodas, faz poucos shows. Continua a compor, mas é muito crítico consigo mesmo, confessa gostar pouco das novas músicas.
Mesmo assim no final de 2019, voltou ao estúdio. No Carranca gravou uma canção inédita, que pretende lançar como single. “A fome, a falta de amigos, e a solidão, me levaram à trilha em que estou hoje. Aprendi muita coisa, pesquisei, ouvi muito som, e chego à conclusão de que nasci agora. Tenho que aproveitar o tempo que me resta. Vou viver 58 anos”, disse na citada entrevista à Intervalo, em 1970. Viveu bem mais. Inteira os 80 como um dos grandes da música pernambucana e brasileira.