Para Paulinho Boca de Cantor, a volta dos Novos Baianos em um momento conturbado da política brasileira devolve ao grupo a missão de levar alegria e poesia às pessoas em oposição ao obscurantismo. Com sua alegria indomável e senso de coletividade, o grupo conseguiu driblar as forças opressoras e a caretice em plena ditadura militar, marcando a história da música brasileira. Novamente reunidos, eles se apresentam 7 de fevereiro na 25ª edição da prévia Enquanto Isso na Sala da Justiça, no Centro de Convenções. A noite contará ainda com shows de Duda Beat e Cordel do Fogo Encantado.
Quando os Novos Baianos surgiram, em 1969, o Brasil já vivia sob o AI-5, ato que instaurou o regime de exceção e a censura no país. Apesar da brutalidade do período, criaram obras clássicas, como Acabou Chorare (1972), e apresentaram uma outra possibilidade de encarar a arte e a vida.
“Não conheço outro grupo que teve essa trajetória de morar junto como os Novos Baianos. O fato da gente ter vivido em conjunto fez com que as nossas canções refletissem esse amor, esse novo jeito da gente viver, essa nova família que nós inventamos”, conta Paulinho. “Astor Piazzolla (bandoneonista argentino) disse que nunca tinha visto um conjunto tão alegre por estar tocando junto. A gente passa isso mesmo. Era um tempo difícil e a gente chegou com uma anarquia bem humorada.”
Para ele, é esse laço indelével que faz com que cada reunião no palco seja enérgica e natural (“É como andar de bicicleta”). A primeira vez que fizeram show após o fim da banda foi em 1997. Em 2016, retornaram para a reinauguração da Concha Acústica do Teatro Castro Alves. O sucesso foi tamanho que precisaram abrir outra data. E a demanda só aumentava, o que Levou Paulinho, Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes e Luiz Galvão a saírem em turnê
“O nosso público é muito interessante porque além dos setentistas, já vieram duas gerações que também curtem o Novos Baianos”, enfatiza. “Quem comanda essas voltas (do grupo) são essas gerações que cultuam nosso trabalho e exigem nossa presença, de alguma maneira na cena musical. É o que nos move a estar sempre nos juntando.”
Para ele, o momento político e social do Brasil hoje é complicado e demanda essa resistência pela alegria pregada pelo grupo. Paulinho encara como um papel dos Novos Baianos “mostrar que a polarização só faz bem para quem está fazendo o mal”.
“Estamos atravessando momentos turbulentos novamente e a nossa mensagem é de que precisamos nos unir mais do que nunca para não passar de novo aquelas tenebrosas sensações de liberdade cerceada”, reforça. “A gente tem que buscar inspiração na nossa força do povo brasileiro para mudar o jogo. Se somos vistos como únicos aos olhos do mundo é por sermos um povo feliz – e isso não pode se apagar.”
Grande entusiasta da música pernambucana, Paulinho conta que a banda não vê a hora de tocar no Recife, cidade que já está no clima de Carnaval. O grupo, inclusive, tem uma ligação forte com a festividade: em 1976 saíram com um trio elétrico em Salvador, marcando época.
Além da turnê, a banda tem contrato para gravar um disco de canções autorais. Mas, sem pressa, pois não há prazo para entregar. Paulinho conta que devem ser resgatadas algumas composições dos anos 1970.
FREVO ENCANTADO
O novo espetáculo – como o grupo classifica suas apresentações devido à fusão da música com o teatro e a poesia – do Cordel do Fogo Encantado será apresentado ao público pela primeira vez no Recife durante o Enquanto Isso na Sala da Justiça. A inspiração foi o Homem da Meia-Noite, que este ano foi a Arcoverde, cidade de origem da banda, e tem Chover, canção do Cordel, como tema.
Instigados com a troca com um dos blocos mais marcantes da folia pernambucana, Lirinha e Clayton Barros compuseram o frevo Homem da Meia Noite ou É Carnaval no Sertão. A faixa, que incorpora muitos elementos sonoros característicos da banda, estará no repertório da noite de sexta, além de versões de clássicos da banda em nova roupagem.
“Essa homenagem nos ligou a uma tradição do Carnaval através do frevo e isso fez com que a gente desenvolvesse um show voltado para essa energia. Convidamos sopristas para nos acompanhar e trouxemos esses novos arranjos para nossas músicas”, conta Lirinha. “Pretendemos, de alguma forma, participar todo ano desse repertório do Carnaval, com novas composições que incorporem esses elementos do frevo, maracatu, caboclinho, e que tenha a identidade do Cordel”
Durante o Carnaval, a banda terá agenda intensa: fará a contagem da saída do Homem da Meia-Noite, em Olinda, além de tocar no Marco Zero e no Alto José do Pinho, no Recife.