Carnaval 2020

Carlos Fernando dava novas asas ao frevo há 40 anos

Compositor reuniu a nata da MPB no primeiro LP do projeto

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 20/02/2020 às 11:16
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No Dia do Frevo, 9 de fevereiro de 1980, o compositor Carlos Fernando (1938-2013), coincidentemente, concedia uma entrevista aos jornais do Rio sobre o primeiro álbum de um projeto idealizado por ele, batizado de Asas da América, que completa, portanto, 40 anos em 2020. Chamava atenção no disco o fato de ser inteiramente dedicado ao frevo, um gênero que andava meio esquecido até na sua terra natal, e não integrava mais o catálogo das grandes gravadoras. Carlos Fernando conseguiu também a façanha de trazer para o frevo um elenco estelar da MPB: Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Jackson do Pandeiro, mais os músicos alternativos pernambucanos Marco Polo, Flaviola e o coro feminino As Sereias.

“O título Asas da América é por causa do frevo do mesmo nome, que fiz de parceria com Geraldo Azevedo, e também porque não quis dar ao meu disco uma característica de folclore e sim chamar atenção para o frevo, uma das mais ricas manifestações culturais da música popular brasileira”, disse Carlos, explicando aquele objeto não identificado que aterrissou inesperadamente no meio de uma MPB que se encontrava em fase de efervescência.

Nascido em Caruaru, Carlos Fernando foi uma vocação relativamente tardia para a música. Estava com 29 anos quando foi apresentado pelo professor Jomard Muniz de Brito a Geraldo Azevedo, já o violonista mais requisitado do Recife, e os dois se tornaram parceiros. A estreia da dupla foi com a composição Aquela Rosa, com a qual ficaram em primeiro lugar, empatados com Chegança de Fim de Tarde, de Marcus Vinicius, na II Feira Nordestina da Música Popular Brasileira, em 1967.

OUSADIAS

Até o Asas da América, Carlos Fernando trabalhou nos bastidores, com Geraldo Azevedo e Alceu Valença. Foram os dois que o incentivaram a tocar o projeto. Alceu e Geraldo insistiram com Carlos Fernando para que fizesse o disco. Ele teve a ideia de uma convocação geral aos amigos artistas, o que uma foi ousadia. Na época, as gravadoras não costumavam liberar seus contratados para gravar para as concorrentes (o Asas da América saiu pelo selo Epic da CBS).

A intenção era fazer do frevo uma música de todos os meses do ano, não apenas de fevereiro. Com exceção de Caetano Veloso e de Jackson do Pandeiro, que tinham feito sucesso com frevos, os demais eventualmente gravaram o gênero, porém muito pouco. Alceu Valença, que se tornou um maiores intérpretes de frevos da história do Carnaval pernambucano, fez sua primeira incursão nesta área em 1975, num compacto simples da Som Livre, com O Homem da Meia-Noite e Pitomba Pitombeira (regravados em Asas da América).

O disco passou despercebido, mas essas duas músicas agora estão incorporadas ao repertório carnavalesco do cantor. “Carlinhos foi quem me fez, na marra, cantar frevo. Eu não me sentia capaz de interpretar esse gênero de música. Ele repetia como um mantra: ‘Bicho, você pode, bicho’. Sempre com a voz rouca e ressacada. Numa noite de farra no Degrau (badalado bar no Leblon), ele me apresentou o refrão da música O Homem da Meia Noite e eu compus o resto, iniciando uma série de parcerias entre nós.

Daí, ele concebeu o projeto Asas da América, que tinha como finalidade resgatar e reinventar o frevo que na época estava em baixa total. O sucesso foi alcançado com a participação dos maiores artistas brasileiros, com os quais Carlinhos usava a técnica infalível: ‘Bicho, você pode, bicho’” (depoimento de Alceu Valença para o livro Banho de Cheiro – Carlos Fernando em Pequenas Doses, organizado por Ìtalo Rocha e Ricardo Thibau, 2014).

No álbum inaugural do Asas da América, Carlos Fernando prestou uma homenagem a Edgard Moraes, incluindo o frevo de bloco Valores do Passado, interpretado pelo coro feminino As Sereias, e Capiba, em Lenha no Fogo, na qual enxertou uma citação de A Pisada é Essa (lançada por Carmélia Alves em 1952). Já nas duas composições do citado compacto de Alceu Valença, há uma renovação no frevo-canção, cujo formato se distancia da marchinha carioca, pelo que foi muito criticado nos anos 30. Carlos Fernando colocou letra no frevo de rua. "Ninguém punha letra nele. Eu estou pondo, embora não tenha sido o primeiro. Jackson do Pandeiro já fez isso, assim como Gilberto Gil, no seu segundo LP que se chamava exatamente Frevo Rasgado” (refere-se a uma faixa do LP Tropicalista, de Gil, de 1968).

FREVO RASGADO

O disco contém oito faixas com o estilo que Carlos Fernando chamava frevo rasgado, entre elas Sou Teu Amor (que Gil canta com Jackson), Lenha no Fogo (cantado por Carlos Fernando e Geraldo Azevedo), A Mulher do Dia (com Elba Ramalho). Para Chico Buarque, Carlos Fernando fez Salve a Torcida, que ele rotulava como frevo urbano. Tão de acordo com as características de Chico Buarque era este frevo, que foi utilizado num programa de futebol de uma emissora de TV e a autoria atribuída ao intérprete. A série Asas da América chegou até 1999.

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