Censura

Censura e repressão como aconteceu no Carnaval 2020 do Recife fazem parte da história da música brasileira

A proibição pegou da pouco conhecida Janete Saiu Para Beber a Chico Buarque

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 28/02/2020 às 19:20
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A proibição pegou da pouco conhecida Janete Saiu Para Beber a Chico Buarque - FOTO: Foto: Divulgação
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A alegação de censura praticada por alguns integrantes da Polícia Militar de Pernambuco, no Domingo de Carnaval (23/02), à música Banditismo por uma Questão de Classe, de Chico Science, conforme denúncia feita pela banda Devotos e por China e a banda Janete Saiu Para Beber (mas negada oficialmente pela polícia), fez lembrar outras situações, em outros tempos. Como a prisão de três integrantes do grupo Faces do Subúrbio, nos anos 1990, também por causa de uma música.

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O grupo apresentava-se, em 11 de novembro de 1997, no Parque de Exposição de Animais, no Cordeiro. O motivo da prisão foi a música Homens Fardados que, na letra, bate forte na polícia. Esta revidou batendo ainda mais forte. Começando pela plateia. Os músicos da banda de rap foram algemados e levados numa viatura para a delegacia do bairro. “Houve agressão, sim, na nossa prisão. Invasão de camarim, beliscão, pontada de cassetete, tapa ao entrar no camburão, ameaças e perseguição depois do ocorrido. Se isso não foi agressão, não sei o que foi”, diz o percussionista Alexandre Garnizé.

O rapper Zé Brown reconhece que houve excessos: “Realmente, houve violência, eu não apanhei, mas fui empurrado para dentro do camburão. Não chegamos a ser botados na cela. Ficamos na recepção, passamos lá umas duas horas”, diz Brown, que reformou o Faces do Subúrbio com novos músicos (acabam de lançar um EP), e diz que Homens Fardados, continua no repertório do grupo.

Dois dias antes da prisão dos integrantes do Faces do Subúrbio, os músicos do Planet Hemp foram impedidos de realizar um show em Belo Horizonte, e ainda passaram a noite nas dependências da Divisão de Tóxicos da polícia mineira. O motivo: as músicas que faziam apologia ao uso da maconha. De BH a banda viajou para a capital federal para um show no Minas Brasília Tênis Clube. Depois da apresentação, o delegado de Tóxicos e Entorpecentes da cidade indiciou os seis músicos. A acusação: associação para a apologia à Cannabis sativa nas letras que cantaram no show. Se fossem condenados pegariam uma pena que poderia ir de três a 15 anos.

O então deputado federal Fernando Gabeira ligou para o delegado Eric Castro para se informar sobre a situação dos músicos. O delegado afirmou que só os libertaria por decisão judicial, e enfatizou: “Nem se fosse o papa a gente soltaria”. A Sony Music, gravadora da Planet Hemp, contratou Nabor Bulhões, um dos advogados mais caros do país para defender seus contratados. Os seis músicos do PH foram libertados quatro dias depois.

CALE-SE

Um episódio que fez recordar o acontecido com Os Doces Bárbaros, em Florianópolis, em 1976. De madrugada, a polícia catarinense invadiu os apartamentos de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Gilberto Gil, o único com quem foi encontrado maconha, em pequena quantidade. Gil teve que responder processo. No mesmo ano, Rita Lee seria presa por posse de maconha. Mas, nesses casos, a música não motivou as prisões.

Ao contrário do que aconteceu três anos antes, no festival Phono 73, no Anhembi, em São Paulo. Um megaevento com o elenco da gravadora Phonogram (atual Universal Music). O clima ficou tenso quando Gilberto Gil e Chico Buarque adentraram o palco para interpretar Cálice, então ainda inédita. Foi o ato mais explícito de censura na época da ditadura. Diante de milhares de pessoas, Gilberto Gil cantou numa língua que inventou na hora, Chico respondeu com um “Arroz à grega, badabada, e gritou: “Cadê o som?”. Agentes da repressão deixaram os microfones mudos. Os dois insistem e acabam desistindo: “Estão me aporrinhando muito, este negócio de desligar o som não estava no programa não”, queixa-se Chico.

Um mês depois do Phono 73, em junho, em pleno auge do udigrudi pernambucano, aconteceu o I Parto da Música Livre, no Teatro de Santa Isabel. Os jornais noticiaram que Flaviola desagradou à turma do departamento de Diversões Pública da Polícia Federal, por ter mudado o roteiro do show. Na época, artistas eram obrigados a antecipar o conteúdo do show aos censores, que tinham o poder de vetá-lo ou liberá-lo com cortes.

Flaviola diz que o problema, na verdade, foi um cigarro de Bali (à base de cravo) que entregou a Marco Polo (Ave Sangria). Ele começou a fumá-lo no palco. Alguém da plateia gritou que queria um tapa. Marco apagou o cigarro com o pé e disse que era palha. Confundiram com um baseado: “Foi diferente do que aconteceu agora com a música de Chico Science. O festival era caretérrimo, a plateia estava cheia de freiras, professores, reitores da Unicap. Fui prestar declaração por duas coisas, pela música que tinha cantado, que não estava no roteiro, e que a plateia adorou, e também como traficante, por ter dado um cigarro de ‘maconha’ a Marco Polo. Eu era muito novo, mas me saí muito bem, não expliquei nada. Não teve uma repressão da polícia em relação a mim. Não teve esta repressão de agora, direto da polícia contra os artistas”.

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