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Ney Matogrosso continua com o bloco na rua

Cantor lança CD e DVD do show que volta ao Recife em abril

JC Online
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Publicado em 28/02/2020 às 11:05
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Quando explodiu nas paradas com os Secos & Molhados, em 1974, imaginava-se que Ney Matogrosso seria mais uma estrela cadente, um fenômeno comum na música popular. Com a baixa repercussão do segundo disco do S&M, e o final do grupo, considerou-se que Ney, João Ricardo e Gérson Conrad eram página virada na MPB. No LP de estreia (pela Continental, 1975), Ney Matogrosso não fez concessões. É o seu disco mais hermético, abrindo com Homem de Neanderthal (Luiz Carlos Sá) e fechando com uma canção intitulada 1964 (III), de Borges/Piazzolla. Nada da leveza dos Secos & Molhados.

No entanto, no disco seguinte, Bandido, Ney Matogrosso voltou a trilhar o pop e a ascender nas paradas. A faixa de abertura, Bandido Corazón, de Rita Lee, foi um imenso sucesso. O show do álbum, idem. Ney Matogrosso continua lotando palcos desde então. Bloco na Rua, show que iniciou em janeiro de 2019, no Rio, volta ao Recife, no dia 4 abril, no Classic Hall, agora para lançamento do CD e DVD com registro do elogiado espetáculo. Os ingressos já estão à venda.

Enquanto no igualmente louvado show anterior, Atento aos Sinais, ele primeiro apresentou o repertório no palco para depois gravá-lo em estúdio, desta vez Ney Matogrosso seguiu o procedimento tradicional, de registrar o show apenas ao vivo. Como em todos os seus muitos espetáculos, Ney não é apenas intérprete, mas também o ator, que já foi sua profissão antes de se entregar à música. O visual, quase sempre criado por ele, desta vez é assinado apenas por Lino Villaventura. Agora ele não mostra o corpo logo de entrada, pelo contrário, aparece de rosto coberto. O gestual, o figurino e a música se entrelaçam.

Em Atento aos Sinais, Ney Matogrosso antenou-se com o que acontecia na música popular brasileira. Não deixou de cantar Paulinho da Viola, Lenine, Caetano Veloso, mas arriscou em novos nomes como Dan Nakagawa, Vitor Pirralho e o ainda estreante Criolo. Montou um repertório bem-amarrado, que serviu de modelo e influenciou artistas de sua geração a também gravar gente que estava entrando em cena, criando música de qualidade.

Com Atento aos Sinais, Ney Matogrosso circulou pelo Brasil e exterior durante cinco anos (entre 2013 e 2018). Com Bloco na Rua ele volta a apontar para o que é, ao mesmo tempo, novidade e obviedade: o grande livro de canções brasileiras, que ele tem visitado em muitos discos e shows, um pescador de pérolas, para usar o título de um de seus discos mais bem resolvidos, em que grava clássicos do repertório nacional e latino-americano. Numa coletiva concedida no Recife quando trouxe o show à cidade, Ney Matogrosso ressaltou que a lista das canções estava definida há dois anos. Antes, portanto, de se configurar a atual e confusa conjuntura política do País.

Assim, não tem a ver com ela o nome do show ou a música que o abre, Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua, de Sérgio Sampaio. Não se trata pois de uma exortação para a plateia sair às ruas contra ou a favor de suas posições políticas. Na época (agosto de 2019), em entrevista ao repórter Marcio Bastos, do JC, Ney descartou com veemência qualquer intenção política no repertório. Enfatizou que “sua existência e obra artística já demarcam oposição ao conservadorismo (...) Eu não faço discurso. Eu sou muito mais sutil. Não me interessa fazer discurso. Eu sou o discurso”.

Na verdade, Ney Matogrosso nunca foi de se juntar ao bloco que estava na rua, seja lá de que coloração fosse. Paradoxalmente, em pleno domínio da linha dura no regime militar, o Secos & Molhados não foi reprimido, apesar da androginia que levava ao palco, ou o rebolado do cantor no horário nobre, quando O Vira foi lançado no programa Fantástico, da TV Globo

FINA ARQUITETURA

A bem da verdade, o registro de Bloco na Rua não foi assim tão convencional. Foi gravado no palco (direção de Felipe Nepomuceno), mas sem público. Passar emoção com cadeiras vazias exige muito do intérprete, ao mesmo tempo que o deixa mais livre para soltar a voz e o gestual. Ficaram fora do repertório Feira Moderna (Lô Borges/Beto Guedes/Fernando Brant) e Mais Feliz (Cazuza/Dé Palmeira/Bebel Gilberto), compensadas pela inclusão de Mulher Barriguda (João Ricardo/Solano Trindade). Da mesma dupla ele também canta Tem Gente Com Fome. Ney ratifica que não há canção exaurida pelo excesso de regravações, o que importa é a interpretação. Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, sucesso único de Sérgio Sampaio, de quem Ney Matogrosso foi contemporâneo no início dos anos 70. Uma marcha-rancho que nunca saiu de linha. Neste Carnaval, por exemplo, foi uma das mais cantadas, em todos os palcos, nos trios do Galo da Madrugada.

Com Ney a canção veste roupagem diferente, com introdução pesada, guitarra e percussão, e sai do clima carnavalesco deprê original. A força da música está no refrão, que na época tinha conotação de enfrentamento político. Hoje, independentemente do que diga Ney, volta a ter o mesmo espírito. Ele não é só de ser certeiro ao mirar repertório, iluminação, cenário, mas é muito bom também em escolher músicos. A banda que o acompanha é impecável: Sacha Amback (direção musical e teclado), Marcos Suzano e Felipe Roseno (percussão), Dunga (baixo), Mauricio Negão (guitarra), Aquiles Moraes (trompete) e Everson Moraes (trombone).

Este grupo de músicos joga em todas as posições. Da mesma forma como desconfigura a canção de Sérgio Sampaio, dá uma de Tutti-Frutti, a banda que acompanhava Rita Lee na época de Jardins da Babilônia, com um piano honky-tonky que guia o rock and roll à anos 50. Tem bastante de Atento aos Sinais quando Ney mescla canções manjadas com as pouco conhecidas Álcool, de DJ Dolores, ou Inominável, de Dan Nakagawa. A evocação dos anos 70 vem com Pavão Misterioso, de Ednardo; A Maçã, de Raul Seixas, Paulo Coelho, Marcelo Motta; e Corista de Rock, de Luiz Sérgio e Rita Lee.

Repetindo, o que conta não é a idade ou excesso de uso da canção, mas o que o cantor consegue fazer com ela. Yolanda, do cubano Pablo Milanês, com versão de Chico Buarque, é obrigatória no repertório de cantor de barzinho. A guitarra base em destaque, o ritmo de bolero levemente mais acelerado, e um arranjo primoroso levam a esquecer as muitas vezes que a escutamos nos bares da vida. Ney Matogrosso continua a melhorar à medida que vai acrescentando anos à idade: 79 em agosto de 2020. É muito mais rigoroso na escolha do que canta. Impensável que gravasse hoje bobagens feito a paródia Calúnias (Telma eu Não Sou Gay), versão de Tell Me Once Again, da Light Reflection, banda brasileira dos anos 70, que cantava em inglês. A seleção de Bloco na Rua, por exemplo, é de músicas que dialogam entre si, que contam uma história. Nada nele é gratuito, nem exaustivamente ensaiado.

l Ney Matogrosso – Turnê Bloco na Rua – 4/4, às 20h, no Classic Hall (Av. Gov. Agamenon Magalhães, s/n, Salgadinho). Ingressos: Camarote: R$ 1800 (para dez pessoas); Mesa: R$ 1200 (para quatro pessoas); Front Stage– sem mesa, R$ 280 (inteira), ingresso social R$ 160 + 1Kg de alimento não perecível , meia entrada R$ 140; Pista – sem mesa, R$ 160 (inteira), ingresso social R$ 100 + 1 Kg de alimento não perecível (social) e meia-entrada R$ 80, à venda na bilheteria do Classic Hall, Lojas Nagem dos shoppings Recife, Plaza Casa Forte, Tacaruna, RioMar e Boa Vista e pelo site bilhetecerto.com.br. Fone: 3427-7501

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