A virada de mesa do furacão tropicalista tornou obsoleta a Jovem Guarda que, em 1968, cambaleou, e em 1969, foi ao chão. O programa da TV Record saiu do ar. Roberto Carlos assumiu a idade adulta, o Tremendão passou algum tempo sentado à beira do caminho, e a Ternurinha Wanderléa procurou outra turma. Roberto se abrigaria sob o manto do romantismo, seguindo um modelo hispânico e italiano. O Tremendão e Wandeca não chegaram a ser tropicalistas, mas aprenderam as lições do tropicalismo: abriram a mente para outros sons, e atitudes. Wanderléa recomeçou aos poucos. Gravou compactos, a princípio com composições de Dom (da dupla com Ravel), mas logo fez um upgrade para Caetano Veloso, Jards Macalé e Capinam, com o compacto Chuva, suor e cerveja/Pula, pula (salto do sapato). Seu ultimo LP de iê iê iê, Pra ganhar meu coração, foi lançado no fatídico ano de 1968.
Em 1972 lançaria um álbum antológico Maravilhosa, em aparece na capa de lourinha bombril. Do passado recente, apenas a abertura do álbum Mata-me depressa ,de Rossini Pinto. O restante do repertório tem Gilberto Gil )Back in Bahia), Jorge Mautner/Nelson Jacobina (Quero ser locomotiva), Assis Valente (Uva de caminhão), Fábio (Alegria). Disco elogiado e bem-tocado. Durante a década de 70, Wanderléa, não mais na CBS (atual Sony Music), lançaria pela Polydor, álbuns de boa qualidade, sobretudo os que fez com a participação de Egberto Gismonti (com manteve um caso bastante comentado na época). Esta fase da cantora mineira e resgatada pela gravadora carioca Discoberta, na caixa Wanderléa anos 70, com cinco CDs. Quatro títulos de carreira, e uma coletânea que reúne os compactos lançados a partir do fim da Jovem Guarda, o CD raridades anos 70. Depois de Maravilhosa, Wanderléa lançou outro disco mais elogiado, Feito gente (1975). Em seguida vieram Vamos que eu já vou (1977), Mais que a paixão (1978), e na virada da década Wanderléa (1981).
Wanderléa diz que achou um maravilha o relançamento desta fase sua pouco lembrada: “Quando terminou a Jovem Guarda me senti com liberdade para fazer o que quisesse, um trabalho mais performático. Houve a passada de bastão para o tropicalismo. No que a Jovem Guarda era tão combatida, em fazer rock, usar guitarras,os tropicalistas a fazer. Para mim mesmo, no início, era estranho, baixo elétrico, guitarra. Comecei muito nova, acompanhada por regionais, orquestras. Fui crooner com apenas 15 anos”, comenta a cantora, em entrevista por telefone, do Rio, onde mora, acrescentando que a transição da Ternurinha do anos 60, para a Maravilhosa da década de 70, foi indolor, e sem interregnos: “Só parei por problemas pessoais, durante sete anos. A sustentação do meu nome deveu-se à Jovem Guarda”. Os problemas pessoais foram Três tragédias seguidas, que abalaram a carreira da cantora que se firmara com temas adultos, modernos. O namorado, Leleco, produtor e filho de Chacrinha, ficou tetraplégico em consequência de um acidente de carro, seu irmão morreu depois de uma longa batalha contra a AIDS, e o filho morreu afogado na piscina de casa.
A mudança no estilo foi radical. Os ingênuos temas de amor que incensavam sua obra até 1968, passaram à psicodelia dos tropicalistas, o nonsense de Jorge Mautner, frevos eletrificados de Jards Macalé. O primeiro álbum foi sucesso de público e crítica: “Sai da CBS para gravar Chuva suor e cerveja, de Caetano Veloso. Estive em Londres com ele, e me deu esta música. Quando ele voltou era o maior sucesso no Brasil. Gravei an Polygram. Mas mesmo assim tinha uma divisão lá dentro que queria que eu gravasse para fazer sucesso”, conta Wanderléa. O hit de Maravilhosa, o álbum de 1972, foi Quero ser locomotiva, do ainda desconhecido Jorge Mautner: “Gravei a Locomotiva antes de Mautner. Cantei outra música dele, Ginga de mandinga, que até hoje ponho no meu repertório”.
Vale ressaltar que quando a Jovem Guarda acabou Wanderléa estava com 22 anos. Quem a imaginava dependente dos colegas, Roberto e Erasmo, engana-se. Com o acidente do namorado, ela foi obrigada a permanecer em casa, e montou um dos primeiros estúdios domésticos do país: “Trouxe o equipamento de Los Angeles. Montei uma banda, e um dos músicos era Altay Veloso, que trouxe um dia Egberto Gismonti ao estúdio. Egberto ficou sensibilizado, e me sugeriu que fizéssemos um disco diferenciado. Fizemos um álbum antológico”, conta Wanderléa que foi produzida por Egberto Gismonti, já com fama consolidada de um dos músicos mais sofisticados do país, assina a produção e os arranjos do álbum Vamos que eu vou, uma dos grandes discos dos anos 70. Além da orquestra dirigida pelo lendário maestro Gaya, e músicos como o bateria Robertinho Silva, e o próprio Egberto Gismonti. No repertório a ex-Ternurinha ia de Feito gente (Walter Franco), a Segrego (Luiz Melodia), mais três faixas assinadas por Sueli Costa, João Donato e Gilberto Gil (a inédita Que besteira).