Tributo

Bandas de rock recriam pagode do Raça Negra

Indies descobrem qualidades insuspeitadas no samba romantico

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 24/10/2012 às 6:00
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Indies descobrem qualidades insuspeitadas no samba romantico - FOTO: NE10
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A música do popularíssimo Raça Negra foi regravada por cantores e desconhecidíssimas bandas indie para o selo Fita Bruta. O disco chama-se Jeito felindie, e está disponível para download (site https://fitabruta.com.br). O Raça Negra, ninguém ignora, faz “pagode”, uma diluição do samba, de arestas aparadas, com uma excessiva dose de sacarina e letras românticas, ou seja, do mais óbvio lugar comum: “Olha, me aquece com seu calor/ me enlouquece com o seu amor/ te quero comigo”.

O conceito do disco é mais ou menos o da banda brega fake que anima festinhas em que a classe abastada brincar de ser periferia no final de semana. No encarte, o jornalista Carlos Eduardo Lima explicita a asserção:  “As canções do Raça Negra me chamaram atenção lá por 1994/95 tempo em que namorava uma menina que morava no Méier, Zona Norte do Rio. Depois vieram à tona novamente quando conheci outra moça, desta vez residente no bairro de Bonsucesso, subúrbio da Leopoldina, qual um Cândido Mariano Rondon adentrava o rincão mais guardado pelas esquinas e radinho de pilha em trailers de cachorro-quente, para descobrir carinho e quentura musical em forma de três quatro minutos.

Raça Negra é isso: é amor, é cartão de aniversário de namoro com Garfield na capa, é festa de 15 anos, é almoço de domingo na casa de parente distante, ou na churrascaria que fica ao lado do mercadinho em que a família tem conta, e pode pedir um fiado pro dia seguinte.

Isto tudo constitui um painel emocional que todos já experimentaram. Isso tudo, quem sabe, pode ser o samba, a Jovem Guarda, a música, juntos, assumindo formas e valores que vamos levar pra sempre na memória”.

Em suma: a música do Raça Negra é consumida pela moça da periferia, e só indo lá o Cândido Rondon playboy de Copacabana consegue ter acesso a esta música exótica. E depois, os estereótipos do fiado no mercadinho, do almoço dominical suburbano. Parece sobra de letra do tropicalismo. Ora, para ouvir o Raça Negra bastava ele ter ligado o radinho, visto os programas popularescos da televisão. O grupo tem quase 30 anos de estrada, é uma das bandas mais populares do País. A matriz de toda esta pagoderia que domina o rádio e abriga alguns dos milionários da música nacional, a exemplo de Tiaguinho, ex-Exaltasamba.

Com produção de Jorge Wagner, cantam o Raça Negra nomes conhecidos apenas num pequeno círculo indie, como a pernambucana Lulina (que abre o repertório com Cigana), numa interpretação enxuta, quase coloquial, que virou um padrão do canto feminino indie. Como também está ficando padronizado o som de guitarra surfe e o indefectível órgão vintage (ou de timbre assemelhado). A faixa seguinte usa a mesma fórmula. Vivian Bedford canta Cheia de manias com a obrigatória guitarrinha surfe. O título do disco vem da música Jeito felino, a canção que dá nome ao tributo, é cantada pela Letuce, que acaba sendo a melhor faixa do álbum.

Orquestra Superpopular carrega nas tintas, a vocalista capricha na interpretação expressionista, canta como concorrente destes concursos vocais de TV, contrastando com o acompanhamento jazzy de piano e bateria. Nana imprime psicodelia a Sozinho, um dos grandes hits do Raça Negra. O resultado final, como diz a letra de Lulu Santos, “não vou dizer que foi ruim, mas também não foi tão bom assim”.

O Raça Negra já fez seu tributo ao iê-iê-iê, há dez anos, com o CD Raça Negra samba Jovem Guarda (que teve participação de Erasmo Carlos). A diferença entre aquele e este tributo, é que melodias e a poética do iê-iê-iê estão bem próximas do Raça Negra, inclusive geograficamente. Os reis da Jovem Guarda também vieram da Zona Norte carioca. Enquanto os indies, mesmo esforçando-se, não conseguem cruzar o túnel que leva ao lado menos glamuroso do Rio.

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