Luto

Dona Canô era amor, festa e devoção

Mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia morreu aos 105 anos. Corpo vai ser enterrado nesta quarta (26), em Santo Amaro da Purificação, na Bahia

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 26/12/2012 às 6:08
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Em uma das cenas do documentário Maria Bethânia - Pedrinha de Aruanda (2008), de Andrucha Waddington, na calçada de casa, em Santo Amaro da Purificação, Recôncavo Baiano, dona Canô faz uma serenata com Caetano Veloso e Maria Bethânia. A Oração de Mãe Menininha, cantada pela matriarca - acompanhada e admirada pelos filhos - “é muito comovente”, nas suas palavras. Sob o céu de Santo Amaro, aquela cena já não vai mais se repetir. A mulher que ficou conhecida no mundo como a mãe de Caetano e Bethânia morreu às 9h20 da terça-feira (25), aos 105 anos, na sua casa, após passar mal de madrugada, cercada pela família. O corpo, velado no Memorial Caetano Veloso, é enterrado nesta quarta (26), às 10h, na cidade onde ela nasceu e morava.

“Quando Deus marcar, eu tenho que ir como todos vão. Na hora certa, a gente nem sabe. Quando sentir, já foi!”, já dizia a carismática Claudionor Viana Teles Velloso em entrevista a uma rede de TV nacional, no ano em que completou 100 anos. Nascida em 15 de setembro de 1907, dona Canô casou-se em 1930 com José Teles Velloso (que morreu em dezembro 1983, aos 82 anos) e teve oito filhos (dois adotivos), nove netos e cinco bisnetos. Construiu sua vida no sobrado de número 179 da Avenida Ferreira Bandeira. branco com as janelas azuis, endereço conhecido em Santo Amaro. Lugar de aconchego para família e fãs, onde, com doçura e timidez, a senhorinha de cabelos brancos e voz delicada recebia a todos.



Recentemente, dona Canô esteve internada na Unidade Cardiovascular Intensiva do Hospital São Rafael, em Salvador, devido a um ataque isquêmico cerebral, que provoca redução do fluxo de sangue nas artérias do cérebro. Ela recebeu alta na última sexta-feira (21), após uma semana de internamento. Segundo um dos filhos, Rodrigo Veloso, na última segunda-feira os médicos que cuidavam da matriarca avisaram que as batidas do coração dela estavam fracas.

Católica apostólica romana, a mãe dos Veloso nunca abriu mão da sua novena de 2 de fevereiro nem das missas de ação graças a cada aniversário, celebrado sempre com grande festa na cidade. Foi em uma dessas comemorações, em 2007, no centenário de dona Canô, que sua filha Maria Bethânia emocionou a todos cantando Romaria. A cantora chorou e sua mãe precisou ser retirada do lugar, antes de terminar a missa, pela forte emoção. Na fachada da matriz, a cerca de cem metros de casa da família célebre, há uma placa de agradecimento a Canô pelas reformas que conseguiu graças à antiga amizade com o senador Antônio Carlos Magalhães (ACM). Durante a festa da lavagem das escadarias da igreja, ela também comandava as baianas do candomblé, em ato sincrético.

Símbolo de figura materna, dona Canô virou tema de versos das canções do seu filho Caetano Veloso. Em Reconvexo, ele faz referência à religiosidade da mãe (“Não tenho escolha, careta, vou descartar / Quem não rezou a novena de dona Canô”). Dona Canô ganhou mais prestígio em Santo Amaro (BA) do que qualquer político, empresário ou líder religioso da cidade. Na cidade de 60 mil habitantes, localizada no recôncavo baiano (a 71 km de Salvador), ela era considerada mais influente até do que seus dois filhos ilustres, Caetano Veloso e Maria Bethânia. Em época de eleição municipal, era assediada por políticos de todos os espectros, que buscavam seus conselhos.


Foi Canô a responsável pela formação artística dos seus filhos. Embora nascida em uma família pobre, ela estudou em um colégio particular, onde aprendeu francês e piano. Com voz afinada, que sempre cantava para a família e os amigos, ela incentivou a turma toda a tocar algum instrumento. "Na minha família todos nasceram com a cabeça cheia de música e o estômago cheio de fome”, dizia.

Lúcida até a morte, Claudionor Viana protagonizou situações memoráveis, como a entrega ao governador da Bahia Jaques Wagner e ao ex-presidente Lula, em 2011, do relatório de despoluição do rio Subaé. Depois de uma hora de conversa, a matricarca afirmou que a visita de Lula foi a melhor do Brasil, que ele gostava muito dela. Dona Canô tinha uma ligação forte com o ex-presidente, chegando, inclusive, a querer ligar para e pedir desculpas pelas declarações de Caetano que o chamou de cafona e grosseiro, em 2009. “Caetano não tinha que dizer aquilo. Ele é só um cantor. Vota em Lula se quiser, não precisa ofender nem procurar confusão", disse na época, em entrevista.

Em 105 anos, dona Canô viveu envolvida pelo respeito e o amor da sua família. A alegria e disposição da senhora de aparência frágil, mas com garra e determinação, que dava as ordens do cardápio e organizava os pagamentos de casa, refletiram na criação dos seus filhos e netos. Maria Bethânia, que todos os dias ligava para a mãe para pedir sua benção, fez em 2010 o show Amor, festa e devoção, em homenagem à genitora. Dona Canô é também o nome do teatro de Santo Amaro da Purificação; tema de biografia (Canô Velloso, lembranças do saber viver) escrita por Antônio Guerreiro de Freitas e por Arthur Assis Gonçalves da Silva, publicada em 2009; e teve suas receitas reunidas, em 2008, no livro O sal é o dom - Receita de mãe Canô, organizado pela filha Mabel Velloso.

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