O ano de 2012 foi de efemérides, celebração de datas redondas. No chamado BRock, o rock brasileiro dos anos 1980, muita gente fez shows, turnês, discos comemorando 30 anos de carreira. Lulu Santos não caiu na estrada festejando três décadas, até porque ele já chegou aos 40 anos de carreira, contando-se de sua participação no grupo Veludo Elétrico, em 1972. Neste ano Lulu Maurício apareceu nas páginas da edição nacional do (então) jornal Rolling Stone como uma das promessas da guitarra nacional. Veio o Veludo e o Vímana, que se tornaria uma lenda do rock nacional, menos pela música que fez, mais pelos integrantes que o formavam: Lulu Santos, Ritchie e Lobão tocaram ao mesmo tempo no Vímana. A banda no entanto nunca desenvolveu o potencial de que os integrantes, inegavelmente eram dotados.
O Vímana formava nas hostes do incipiente rock progressivo brasileiro. Mesmo assim conseguiu as simpatias do tecladista do Yes, Patrick Moraz, que casou com uma brasileira e tinha apartamento na Zona Sul do Rio. O irascível Lulu Santos e o tecladista suíço entraram em rota de colisão. Lulu saiu do grupo, que logo em seguida acabou. Deixou apenas um compacto, um álbum inédito e um registro ao vivo no Hollywood Rock, festival realizado no Rio em 1975.
Guitarrista acima da média (depois de anos adepto da Fender, virou um fervoroso apologista da marca Gibson), Lulu Santos recebeu da Sony Music uma caixa com quatro CDs, libreto assinado por Mauro Ferreira (crítico do jornal carioca O Dia). Toca Lulu, o título vem de um grito de guerra dos fãs durante os shows (mais ou menos, um equivalente ao “toca Raul”). Em lugar de montar um repertório convencional, em ordem cronológica, Lulu Santos optou por discos temáticos, cada um retratando uma fase de sua carreira. São 55 fonogramas, nada de raridades, demos e sobras. Ele diagramou sua carreira a partir dos anos 1980 por discos aos vivo, turbinados com eletrônica e a fase superpop iniciada com Tempos modernos (1982), Tudo azul(1984), e Normal (1095), de onde saíram seus principais hit radiofônicos.
Para quem vinha do udigrúdi carioca, de tocar em pequenos espaços para públicos reduzidos, Lulu surpreendeu pela consistência da música pop que apresentou no segundo compacto (duplo) pela Warner, que trazia Areias escaldantese Tesouros da juventude (ambas com Nelson Motta).Tempos modernos é o disco mais bem-resolvido do início do que se convencionou chamar de BRock. Enquanto Paralamas do Sucesso, por exemplo, começa com temas adolescentes, influenciado pelo som que estava na moda na Inglaterra, da gravadora 2 Tones (dos Specials, Selecters, The Beat e Bad Manners, entre outros), Lulu Santos trazia uma música que era um amálgama de influências dos anos 1960, como Beatles, sobretudo, e contemporâneas, como The Police, Elvis Costello.
Vale ressaltar que Lulu Santos estava com 29 anos quando lançou Tempos modernos (a idade média dos astros do BRock era de vinte e poucos anos) e imerso no mundo da música desde que caiu na estrada, saindo de casa, escapando da rigidez das normas do pai militar, que não queria filho músico e muito menos roqueiro. De repente Califórnia<é uma balada bem Beatle (uma levada e arranjo bem And I love her e uma guitarra à George Harrison). É mais uma com Nelson Motta, uma das mais felizes parcerias da MPB, que é raramente lembrada quando se escreve sobre o assunto. Já Tesouro da juventudetem muito The Police, nos arpejos de guitarra, uma marca registrada de Andy Summers. No entanto, ao contrário dos Paralamas, que se valem de um riff do The Beat, em óculos, a música de Lulu tem influências, mas personalidade. A começar da voz, as melodias engenhosas e as ótimas letras de Nelson Motta.
Dos quatro discos, o de estúdio é o que tem sonoridade, com data facilmente identificável, mas não datada. Mais evidenciado na música dos anos 1980. O que aliás é uma característica do pop internacional da época. No começo da década surgiram em gadgets eletrônicos, cujas sonoridades músicos, técnicos e produtores demoraram a dominar. O disco dá uma geral em duas décadas de Lulu Santos, 1982 a 2002. O disco 1 reúne faixas dos dois acústicos que Lulu Santos fez na MTV (um dos poucos artistas que gravou duas vezes o Acústico MTV, um em 2000 e outro 2010).
Embora Lulu Santos seja mais centrado, aqui e acolá pretensioso, sua música rola fácil como o som de Tim Maia, ou Jorge Ben Jor. Último romântico é um bom exemplo, no disco ao vivo. Uma guitarra à George Harrison emoldura uma canção de melodia pegajosa e letra que se encaixa nela com uma luva. Lulu nem canta o tempo inteiro, dirige o coro da plateia. O Ao vivo cerze parte do Ao vivo MTV, com o Amor à arte – Lulu Santos & Auxílio Luxuosoao vivo (Olympia – São Paulo, em 1988).
Pista marca a fase escancaradamente dançante de Lulu Santos. Foi fase “eu e Memê, Memê e eu”. Marcelo Mansur, o DJ Memê, engatou parceira com Lulu Santos num dos bons momentos da música feita para as pistas no Brasil. Ouvindo quase 20 anos depois, um projeto que resistiu ao tempo. O disco 3, >Pista, mescla o cantor de música autoral com o intérprete, que recria com ajuda de Memê sucessos manjados (e aí está o desafio), O descobrir dos sete mares (Michael/Gilson Mendonça),Se você pensa(Roberto e Erasmo Carlos), Fullgás(Marina Lima/Antônio Cícero), Dancin’ days (Nelson Motta/Ruban) e a insistente Deixa isso pra lá (Edson Menezes/Alberto Paz), uma tiração de onda ou “noveltie song”, com como chamam mais apropriadamente o americanos, lançada por Jair Rodrigues, em 1964, regravada de tempos em tempos. Das 14 faixas de Pista, oito são assinadas por Lulu Santos (só e com parceiros). Todas tem a mão de Memê.
Toca Lulu dá uma panorâmica na obra de Lulu Santos com mais precisão do que daria, por exemplo, uma caixa com a discografia completa, em que se ouve discos a disco, ou seja, fragmentos do todo. Estes quatro CDs espelham a trajetória do melhor artífice do pop brasileiro. Mesmo com todas idiossincrasias, o Rei do Pop do BRock, Lulu Santos, soube fazer sua música chegar aos mais diversos segmentos da população sem se curvar ao popularesco.
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