Na capa do disco, o grupo, do alto de uma escada, olha para baixo. Uma foto simbólica para um quarteto descoberto num clube chamado A Caverna. O grupo, claro, é The Beatles, o álbum Please, please me, que completa hoje meio século de lançado. A capa seria feita, inicialmente, na seção de insetos, do zoológico de Londres. Certamente se pensava em um trocadilho gráfico com o nome da banda Beatle e "beetle" (besouro). Mas a administração do zoo não permitiu.
E nem sabiam do que seriam capazes os quatro jovens de Liverpool (os mais velhos, Ringo Starr e John Lennon tinham 21 anos. Paul McCartney estava com 20, e George Harrison, 19). No final de dezembro, os quatro apresentavam shows punk no Star Club, em Hamburgo, Alemanha. John cantava com um tampa de vaso sanitário no pescoço, enquanto ele e o grupo repassavam cinco décadas de música popular.
No repertório de Hamburgo iam de Marlene Dietrich (Falling in love again, de O anjo azul, 1929) até originais inéditos em disco, de Lennon & McCartney que, dentro de dois anos seriam conhecidas mundo afora (I saw her standing there ou Ask me why). Quando adentram o vetusto estúdio da EMI em Abbey Road para gravar o primeiro LP, tiveram que limitar o comportamento anárquico a frases de efeito, ou sutilezas sexuais embutidas nas entrelinhas de canções como Please, please me, com letra duplo sentido sobre masturbação.
Paul McCartney já comentou em algumas entrevistas o sexo implícito nas aparentemente inocentes canções juvenis dos Beatles (I want to hold your hand é outra de duplo sentido). Assim como quase todas as músicas dos Beatles, Please, please me é uma amálgama de influências, de Roy Orbinson a Everly Brothers (a melodia lembra Cathy’'s clown um grande hit da dupla). Love me do, Please, please me, Ask me why e P.S I love you foram as primeiras a ser gravadas e lançadas em compactos.
George Martin, produtor até então mais utilizado para gravar álbuns de humoristas, muito em voga então, pensou em fazer o disco no Cavern Club, ao vivo, uma ousadia para a época. Mas a acústica do local não ajudou. O restante das músicas do LP foi gravada em três sessões de três horas cada uma, mais uma sessão de apenas uma hora, das 11 das manhã às 10 da noite, no dia 11 de fevereiro de 1963.
Mesmo com John Lennon fortemente gripado, o grupo conseguiu, com as devidas decupagens, emular as performances alemãs. Gastaram 30 minutos preparando um set-list, criando os arranjos ou aperfeiçoando-os, na hora. George contribuiu em algumas tocando piano, com o engenheiro de som Norman Smith na mesa de som. I saw her standing there, a faixa inicial, começa, como se fosse ao vivo, com a contagem 1,2,3, 4, também não está isenta de malícia.
A idade permitida para se manter relações com mulheres era de 17 anos, mesmo assim ainda era um tabu. A letra engenhosamente diz: "Ela tinha apenas 17 anos", e deixava a dúvida no segundo verso: "E você entende o que quero dizer". Misery, outro original da futura grife de luxo Lennon & McCartney tem um link com outra dos dois, There’s a place. Enquanto numa há o lamento por ser maltratado pelo mundo, na outra se cogita que deve haver um lugar onde se possa estar bem. Anna (go to him), era um lado B de Arthur Alexander, cantor de rhythm and blues hoje esquecido, descoberto pelos jovens roqueiros ingleses (os Rolling Stones gravaram dele You better move on).
John, Paul, George e Ringo não estavam muito preocupados com convenções. Três das canções de Please, please me foram pinçadas de grupos vocais femininos americanos. Chains, Boys e Baby it'’s you. A primeira da Cookies, as outras das Shirelles. Do you want to know a secret? foi inspirada em A wishing well, da trilha de Branca de Neve, de Walt Disney. A música foi sucesso também com Billy J. Kramer and The Dakotas, banda agenciada pelo mesmo empresário dos Beatles, Brian Epstein. A demo que Lennon enviou para Billy J. Kramer foi gravada num sanitário. No final da música, escuta-se a descarga puxada por John.
Já A taste of honey é uma balada melosa, composta para um musical homônimo, de 1958, que chegaria às telas dois anos depois. John Lennon usava um trocadilho impagável para fustigar o gosto de Paul McCartney para este tipo de canção. Chamava a música de A waste of money (Desperdício de dinheiro). Poderia ter sido pior. McCartney queria incluir no álbum Faling in love again, de Marlene Dietrich. Foi George Martin quem o convenceu a escolher outra música. A taste of honey acabou sendo uma das músicas mais regravadas de Please, please me, provando que Paul entendia do gosto popular.
Por fim, mas não menos importante, Twist and shout, uma canção que hoje certamente estaria esquecida se os Beatles não tivessem gravado. Foi lançada pelo grupo americano Isley Brothers, em 1962. A twist and shout com os Beatles tem arranjo feito em cima de La bamba (tomado de empréstimo ao grupo, de Liverpool, Swingin Blue Jeans). John, que faz o vocal principal estava gripado. Antes de gravá-la, amaciou a garganta tomando um litro de leite, cantou sem camisa, com timbre rouco e visceral como fazia em Hamburgo. Paul e George, entraram no clima e tornaram um clássico uma canção circunstancial, feita para pegar carona na onda do twist.
Na Inglaterra, Please, please me passou 51 semanas nas paradas. Nos Estados Unidos, no entanto, não despertou interesse da Capitol, (que pertencia à EMI). O disco foi lançado com o titulo diferente: Please, please me - Introducing The Beatles. Saiu com selo da pequena Vee-Jay, gravadora especializada em rock e rhythm & blues. No Brasil, o álbum com capa e repertório original somente foi lançado em 1977.
