Caetano Veloso já definiu Madonna como um “sorvete”. Ou seja, é bom, agradável, mas não essencial. No entanto, há 30 anos este sorvete pop vem se mantendo no topo da hierarquia do show business mundial, ainda um símbolo sexual aos 55 anos. Madonna, seu álbum de estreia, pela Sire Records está completando três décadas, e sendo festejado planeta afora, mesmo que não vá além de uma coleção de canções que dificilmente teriam se sustentado tanto tempo se fossem gravadas por outra cantora.
Madonna, o álbum é uma coleção de dez canções dançantes, de harmonias básicas, estrofe/refrão/estrofe. Com dois produtores, um deles seu então namorado Jellybean Benitez, que se tornaria um dos mais requisitados dos anos 80, Madonna fez um disco comum, com sonoridade de teclados que hoje só não soam mais datados, porque alguns voltaram a ser empregados por bandas contemporâneas.
Difícil imaginar a revolução que ela deflagraria na cultura pop nos anos seguintes. A moça de 23 anos, que aos 21 posava nua por apenas US$30 para o fotógrafo Martim Schreiber (que fez, em Londres, exposição de 30 anos destas fotos, em p&b, hoje valiosíssimas), que andava com uma fita demo tentando convencer alguém de gravadora a ouvi-la. A sorte grande aconteceu quando Martim Rosenblatt, a Sire Records foi, num sábado, a um clube noturno nova-iorquino chamado Dance Hysteria, e a conheceu.
Na segunda-feira Madona foi ao escritório da gravadora. Rosenblatt ouviu a demo, não achou anda extraordinário na música. Achou na moça. Em uma entrevista sobre sua careira Rosenblatt contou que viu uma estrela em sua frente. Porém uma estrela diferente. Não apenas da música, mas de toda cultura pop. Como poucas antes dela, Madonna entendia a os medos, aspirações, desejos dos compatriotas, e sabia como manipular isto. Algo que a música banal de Madonna, o disco não denunciava. Ela aparentava ser apenas mais um estrela cadente no firmamento pop.
Martim Rosenblatt, que havia descoberto, entre outros, o B-52, Depeche Mode, Soft Cell, acreditou tanto em Madonna que a levou para Los Angeles, aos escritórios da Warner. O presidente da gravadora, também aprovou a cantora, e liberou dólares para ela gravar mais uma canção, Holiday, o maior sucesso do álbum. O disco correspondeu às expectativas e investimentos. No paradão da Billboard (termômetro do mercado musical americano), de três de setembro de 1983, o disco estreou no 190º lugar. No começo do ano seguinte chegou ao oitavo posto. Passou 168 semanas na parada. Holiday chegou a primeiro lugar na parada dance, e Borderline (a mais consistente canção do álbum), ficou entre as dez mais no paradão geral da Billboard. Madonna até hoje é o mais bem-sucedido disco da cantora.
FEMINISMO
“Parte do seu fantástico sucesso deve-se à habilidade de se comunicar com uma câmera. Um talento à parte de qualquer outro. Para se projetar diante de uma câmera se deve uma autonomia autoerótica, uma senso agudo de autoconceitualização, até mesmo um senso de perversão fetichista. A câmera é uma máquina com a qual se faz amor”. A análise é da ensaísta nova-iorquina Camille Paglia.
A escritora causou furor nas hostes feministas dos EUA, ao fazer a apologia de Madonna, afirmando que a cantora era a verdadeira feminista, ao expor o puritanismo a ideologia sufocante do feminismo americano; “Madona ensinou às garotas a serem fêmeas por completo, ao mesmo tempo em que exercem controle sobre suas vidas”. Paglia escreveu que o problema da feminista american era querer um homem à sua imagem e semelhança: ”A feminista acadêmica acha que o marido babaca, rato de biblioteca é o tipo ideal de masculinidade”. Madonna não precisou de teoria para entender isto. Ela sabia onde estava o x do problema. No sexo e na religião. Soube jogar com estas duas peças. É por isto que hoje se escreve sobre os 30 anos de seu primeiro disco, e ninguém lembra que tem a mesma idade She’s so unusual, álbum infinitamente melhor de Cindy Lauper, considerada a rival de Madonna na época.