“O Naná foi o seguinte, chegou aqui no rio, o pessoal do Nordeste, e fui passar no teatro em que eles estavam ensaiando, só pra olhar. Sentei lá no fundo. de Repente vem vindo um cara, entrou na minha fila e falou: Meu nome é Naná Vasconcelos e eu vim do Recife pra tocar com você. E começou a morar na minha casa. Muito bom, Naná. Fantástico. É um cara que não é só o lance berimbau, essas coisa todas, não. É a cabeça, muito forte. Juntou comigo, e tudo a gente fazia juntos. E uma coisa que a gente não tinha ouvido, Nem nós, talvez”. A revelação é feita pelo cantor em entrevista do DVD que acompanha A música de Milton Nascimento, do mineiro Chico Amaral, que lança o livro hoje, na Livraria Saraiva, no Shopping Riomar, no Pina, a partir das 19h30.
Em meio à discussão polêmica, e bizantina, de alguém ter ou não direito a escrever sobre a vida de determinado artista, Chico Amaral produziu uma história da música de Milton Nascimento, o que realmente importa no cantor e compositor carioca (criado em Minas), afinal foi por sua obra que se tornou famoso, não pelo que fez fora dos palcos ou do estúdio. E se há um compositor de MPB que merece uma biografia, antes de tudo, musical é Milton Nascimento, ratifica o prefaciador do livro, o jornalista Tárik de Souza: “Em sua eloquente circunavegação em torno da matéria etérea, quase impalpável e ao mesmo tempo tão profunda e densa, A música de Milton Nascimento, Chico Amaral faz questão de desbravar mares nunca dantes navegados - e inclusive os do imponderável”.
Bituca não se esquiva de falar, delimitando fronteiras, sobre sua vida pessoal, e roça de leve sobre o preconceito de cor: “... Era um negócio meio estranho para uma cidade do interior de minas, um pessoal que acabou de casar, de repente, chegaram cidade do marido, com um filho preto, ele sendo de família branca. Eu não sofri, mas minha mãe sofreu. Foi ela quem sofreu mais na nossa vida.
Lília, a mãe, e Josino, o pai, foram patrões de Maria do Carmo, mãe de Milton, que não resistiu à tuberculose,e faleceu no Rio de Janeiro. O Pai sumiu no mundo. O casal o apanhou na casa da avó da criança, então com dois e meio, em Juiz de fora. A musicalidade nata provavelmente afloraria no garoto, mas dificilmente ele seria o Milton Nascimento , sem Jovino e Lília, sobretudo ela. A carioca Lilia estudou com Vila-Lobos, levou para Juiz de Fora o piano que começara a tocar na casa dos pais, na Tijuca. Milton espantava os pais pela facilidade em tocar instrumentos. Primeiro uma pequena gaita, de vez em quando o piano, e finalmente um violão que os avós e padrinhos mandaram do Rio para a filha.
Milton conta na entrevista que abre o livro que recebeu a encomenda, assinou o recibo elevou o violão para seu quarto, sem avisar à mãe. Começou a tocar sozinho, escondido: “Acontece que não tinha como fazer a não ser ficar botando os dedos nas cordas, procurando, de repente, eu achava que era um acorde. Por exemplo uma das músicas que eu cantei e toquei no vilão foi Risque, de Ary Barroso. Eassim foi indo, até que um dia resolvi chamar minha mãe no quarto. Ela foi e, quando olhou, La estava eu tocando violão e cantando, ela chorou muito. Era prela ficar brava. Mas não ficou. Foi chorando e chamou meu pai...”
Vieram os W's Boys, conjunto de baile ,que sacramentou a amizade fraternal com Wagner Tiso, a ida a para o Belo Horizonte, onde conheceu os futuros sócios do Clube da Esquina, e a ida para o Rio. Agostinho dos Santos e Elis Regina foram seus padrinhos, e a enxurrada de músicas que talvez tenha aprendido com os extraterrestres (numa das entrevista ele conta uma visão e um nave , enquanto ia pela estrada de Ouro Preto, da qual foi testemunha o guitarrista americano Pat Metheny).
“É. Ai eu estava lá na pensão – outra pensão que eu morei – e comecei a compor uma música. Era música e letra, Morro velho. Quando acabei comecei outra, que é Pai grande. ?E quando acabei essa, fiz Travessia, sem letra, que eu achei que não era pra botar letra. Quem botou letra, a primeira vez que fez isso na vida de, foi Fernando Brandt, o resto é uma das historias mais impressionantes da música popular, não só brasileira. Milton Nascimento é gravado no mundo todo, é, feito Tom Jobim, Ivan Lins, frequentador de álbuns dos mais festejados músicos do jazz americano
O guitarrista Wilson Lopes (há vinte anos na banda de Milton Nascimento) escancara sua perplexidade diante do indecifrável, e não descarta a possibilidade desta música ter vindo de outros planetas: “A questão em relação ao Milton é a seguinte: como é que ele consegue fazer aquelas músicas sem ter cursado a academia. Já perguntei pra ele, e ele fala que não estudou música direito. É tudo muito avançado, muito bem resolvido, como se ele fosse um estudioso de composição. Sobram duas hipóteses, falando sério;ou ele aprendeu em outra vida, ou tem alguma ligação extraterrestre”. Lopes, por sinal, criou a ensina, na UFMG, a matéria , que leva o nome deste livro: A música de Milton Nascimento.