morte do rei

A intensa e vitoriosa carreira de Reginaldo Rossi

Do JC Online
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Publicado em 20/12/2013 às 11:08
Foto: Guga Matos/JC Imagem
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Um dos maiores ídolos populares da história da música brasileira e, certamente, o maior da música pernambucana, Reginaldo Rodrigues dos Santos começou a carreira musical em 1963 formando com amigos – entre os quais estava Fernando Filizola, futuro violeiro do Quinteto Violado – o conjunto The Silver Jets, no qual permaneceu até 1965. Foi o grupo que acompanhava os astros da Jovem Guarda em shows no Recife.

Reginaldo costumava se gabar de que os Silver Jets foram os Beatles do Nordeste. Não chegaram a ser, porque ele saiu antes do grupo angariar prestígio suficiente para gravar um compacto (com uma versão de You like me too much, dos Beatles) ou ser creditado no LP com o mineiro Zegê (que mais tarde assumiria seu nome Zé Geraldo). Ele teve um equivalente em Orlando Dias (José Adauto Michiles, 1921-2001), que viveu seu auge na primeira metade dos anos 1960, exatamente quando Rossi começava.

Boa parte dos fãs do cantor o conhecem a partir dos anos 1980, quando ele voltou a morar no Recife. O Nordeste era onde estava seu público. Depois de vários sucessos medianos, em 1987 ele estourou com Garçom, música que o marcou e é responsável pela sua unção como Rei do Brega. O termo “Rei” veio de um programa de bons índices de audiência que o cantor apresentou na TV Pernambuco, o Reginaldo Rei, cujos assentos na plateia eram disputadíssimos e o tornou ídolo de uma geração que antes o conhecia quando muito de nome.

A princípio, Rossi não gostava de ser tratado por “brega”, afinal a música que fazia diferia pouco da que cantava nos anos 1960/70, quando conseguiu o primeiro sucesso nacional com O pão. Boa parte das canções obrigatórias do seu repertório vem desta época, Maior que Deus (1967), Era domingo (1970), Tô doidão (1971, versão da francesa Les Daltons, de Joe Dassin), Mon amour, meu bem, ma femme, Deixa de banca (versão de Les Cornichons, de Nino Ferrer e Jean Booker). Achava que o que fazia deveria ser chamado de rock, iê-iê-iê, que considerava o movimento mais duradouro da música brasileira.

Acabou assumindo o brega, mas ressaltando que não era só ele, muita gente boa estava no mesmo barco. Para exemplificar, citou, numa entrevista ao Jornal do Commercio, no ano passado, um standard da música francesa, Ne me quitte pas, que costuma cantar em locais chiques, como o Manhattan, em Boa Viagem: “Isto é mais brega do que Garçom. A música francesa é brega, sai sangue dela. Mas é uma linguagem que é entendida pelo gari, pelo intelectual, pela dona de casa. Roberto Carlos canta há 40 anos ‘Por que me arrasto aos teus pés? Por que me dou tanto assim’. É entendido por todo mundo. Outro dia eu fui assistir a um show de Caetano Veloso. Ele lia um livro, a plateia dormia. Quando cantou ‘Que faço eu da vida sem você/ você não me ensinou a te esquecer’, todo mundo aplaudiu”.

Para ele, até Mozart, que revelava ser seu compositor erudito preferido, entrava na classificação de brega. Nas entrevistas, costumava alfinetar a MPB que, argumentava, não falava a linguagem do povo. Talvez se baseasse em sua própria experiência. Em 1967, gravou a tropicalista Domingo no parque, de Gilberto Gil, sem a menor repercussão. Esta é provavelmente sua gravação mais obscura, no LP III Festival da Música Popular Brasileira, lançado em 1967, pela Chantecler.

Nascido no bairro dos Coelhos, Reginaldo Rossi teve pai artista, Porfírio Rodrigues, ou Zé Fuinha, era quase um artista de circo. “Cantava, sapateava, e contava piadas”, contou ao jornalista Wilder Portela, autor da biografia Reginaldo Rossi, o fenômeno, 1999. O pai morreu cedo, a mãe, Maria das Mercês, voltou para a casa dos pais, e ele foi criado pela avó paterna. Era ainda criança de colo. No registro de nascimento, tem os avós como pais: Antônia Rossi e Ivan Batista dos Santos. Com eles foi morar no Rio de Janeiro. Voltou para o Recife aos 13 anos de idade – daí o sotaque, que nunca perdeu.

Apesar da família modesta, conseguiu passar no vestibular de engenharia e foi professor de matemática, até ser fisgado pela música. Voltou ao Rio, no auge da Jovem Guarda, e de cara gravou o primeiro LP, sem passar pelo compacto. Alcançou sua fase mais bem-sucedida no Sudeste contratado pela CBS, gravadora que abrigava nomes top da Jovem Guarda: Roberto Carlos, Wanderléa, Renato e seus Bluecaps.

No CD e DVD Cabaré do Rossi (2010), ele escancara de tal maneira a breguice que, de tão calculada, cruzou a tênue linha que torna o brega kitsch. Um set list que reunia Garçom com I will survive, de Gloria Gaynor, que foi agregada ao cancioneiro gay mundial. Reginaldo Rossi sabia, e por isso mesmo cantou a música, como provocação. No show, ele segura o microfone, encara a pequena e seleta plateia de convidados e inicia o monólogo, desenvolto como queriam ser muitos praticantes da stand up comedy: “Uma bicha acabou o namoro, chegou para a outra, foi contar a história e disse assim” – canta em inglês, faz trejeitos e dirige-se novamente à plateia: “Sabe o que a bicha disse quando acabou o namoro? Fiquei petrificada. Falando em português: fiquei morta”. Showman, ele volta a cantar em inglês e traduz livremente a canção: “Pois eu pensei que nunca mais pudesse viver sem meu bofe do meu lado. Aí passei muitas noites pensando se eu era uma bicha fraca”. Dirige-se novamente à plateia: “Me acham uma bicha fraca? Eu sou uma bicha forte e vou lutar pelo meu amor”, em seguida, atribui o monólogo ao primo de Gloria Gaynor. E logo começa a cantar I will survive, com a banda o acompanhando em levada de dance music.
Casado há mais de 40 anos com Celene Neves, era confessadamente um boêmio inveterado. Não esconde a paixão pelo pôquer, pelo uísque e pela noite. Uma mistura perigosa, como ele constatou no amanhecer do dia 8 de junho de 1995, quando voltava para casa, em Piedade. Perdeu o controle do Vectra e só não caiu canal de Setúbal porque havia um poste no meio do caminho. Milagrosamente, escapou de morrer, ou de ficar incapacitado. Foram quase 30 dias de hospital, do Restauração para o Real Português. Sem renda de shows, foi consumindo os bens para pagar o tratamento de recuperação. Quando voltou aos palcos, quase dois meses depois do acidente recomeçou do zero.



Rossi também caiu no gosto da nova geração dos alternativos do Recife. Inspirou bandas bregas de classe média universitária, como Tanga de Sereia, Victor Camarotti e Faringes da Paixão. Ganhou uma homenagem de Silvério Pessoa, que criou a banda cover Sir Rossi. No ano passado, animou as rariús do Bloco I Love Cafuçu.
Sempre de alto astral, esbanjando otimismo, no dia 7 de setembro deste ano, em Imperatriz (MA) fez o que raramente fazia em público. Irritou-se com o barulho da plateia. Antes de iniciar o show repreendeu os mais exaltados: “Nosso show é romântico, então, não precisa de histeria aqui hoje”. Pouco antes, recebeu a imprensa da cidade e revelou que estava pensando em aposentadoria. Ao repórter do portal Na Mira, explicou: “Estou cansado, muitas viagens, então, acho que está chegando a hora de parar. E emendou: “Emoções, decepções, alegrias, tristezas... Minha carreira foi marcada por um apanhado de coisas, afinal, são quase 50 anos de estrada”.

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