Antes de Elke Maravilha vir ao mundo, os deuses lhe disseram que ela nasceria para ser feliz e amada por muita gente, e que veria e viveria de tudo. Ao ser questionada se concordava com as condições, Elke, 69 anos, respondeu: “Aceito, minhas crianças amadas!”, quase da mesma forma que atendeu ao telefone com um “Fala, minha criança”, para a entrevista ao Caderno C.
E não foi que os deuses acertaram? Filha de pai russo e mãe alemã, neta de avô viking e avó mongol, Elke veio refugiada para o Brasil aos sete anos, desembarcou no Rio de Janeiro e se mudou para Minas Gerais. Já morou na França, Alemanha, dentro de um Citroën 2CV, com seu primeiro marido, um grego, e é politeísta. De fato, com tantas múltiplas heranças culturais, Elke não poderia não ser Maravilha. Ela deixa por hoje a São Paulo onde está atualmente em cartaz com o espetáculo Elke do sagrado ao profano e volta ao Recife, que diz admirar tanto por sua cultura popular, para participar da festa Chá da Alice, no Catamaran.
Sobre a assimilação de tantas aventuras em poucos anos de vida, Elke sente tudo com muita naturalidade e enfatiza que ela não é um personagem. “Desde pequena, fui diferente. Nem melhor nem pior, diferente. Eu nunca soube o que queria ser quando crescesse. As pessoas me empurraram para ser professora, bancária, secretária e eu fui. Depois, me empurraram para ser artista e eu fui também. Com gosto, claro, não gosto de sofrer.”
A carreira artística de Elke Maravilha teve início na década de 1960 quando começou a atuar como modelo em desfiles. Sua parceria – e amizade – com a estilista Zuzu Angel foi uma das mais marcantes e é retratada no filme Zuzu Angel, com Patrícia Pillar na pele de Zuzu e Luana Piovani, de Elke. Anos depois, já na década de 1970, ela praticamente integrava o famoso grupo de teatro provocador, irônico e vanguarda, o Dzi Croquettes. Os atores, cantores e bailarinos foram contemporâneos do coletivo recifense Vivencial, que inspirou o filme Tatuagem. “Eu era magrinha na época! Na verdade eu não atuei com eles, mas acompanhava e torcia pelo grupo. Cheguei a fazer umas roupas e um deles, o Roberto de Rodrigues, foi meu namorado”, conta. A repressão sofrida na época não é lembrada por Elke com amargura. Nem mesmo o fato de ela ter sido enquadrada na lei de segurança nacional e ficado apátrida. “Só fazem com a gente o que permitimos. Foi desagradável, uma merda. Mas plantamos o que colhemos. A ditadura é uma doença, mas não a evitamos.”
FESTA
A apresentação de hoje não é nem espetáculo nem show. Porque Elke não canta, ela interpreta música – e apenas quando é ao vivo. “Vou fazer uma performance, ficar circulando entre as pessoas.” É a primeira participação dela na festa do Recife, mas sua relação com a cidade data de mais de 30 anos. “Engraçado, porque foram três pernambucanos que me descobriram nas diferentes linguagens da arte. O Chacrinha, claro, aí teve também Luiz Mendonça, no teatro, e um cineasta, não consigo me lembrar do nome dele... Tem meu ídolo, Ariano Suassuna. Aquele homem é uma coisa!” Da Rússia ao Brasil, do sagrado ao profano: Elke é múltipla e Maravilha.
Leia a matéria na íntegra na edição deste sábado (15) do Caderno C, no Jornal do Commercio.