"Tanta beleza é ilegal, é subversivo, é Fidel Castro e Jesus Cristo", comentário hiperbólico de Tom Zé sobre a música de Chico Buarque, o garoto de olhos verdes, que já foi unanimidade nacional aos 22 anos, quando ganhou, com a Banda, o II Festival da Música Popular Brasileira, da extinta TV Record. Ganhou, mas só aceitou o prêmio com a condição de que fosse dividido o primeiro lugar com Geraldo Vandré e Théo de Barros, autores de Disparada, que considerava melhor que a sua marcha dobrado. Geraldo Vandré, por sinal, foi o intérprete de Sonhos de um carnaval, com que Chico concorreu ao primeiro festival da MPB, em 1965, na TV Excelsior.
Chico Buarque chega aos 70 anos, enquanto apronta mais um romance, sua principal atividade nas duas últimas décadas. Desde os anos 90, a quantidade de discos de carreira que lançou neste período empatou com o número de livros publicados: quatro. A cada cinco anos, em média, ele reúne instrumentistas com quem trabalha há anos, grava um novo álbum, faz as malas e empreende uma turnê nacional para divulgá-lo. Até os anos 90, lançava um disco a cada dois anos. Porém, entre As cidades (1998) e Carioca (2006), foram oito anos. Não há precisão para o próximo. Por enquanto, sua baterias estão carregadas para o livro que chega na reta final e que ele promete para este ano (a previsão é de que seja lançado em setembro).
A data redonda está sendo lembrada pela imprensa, pelos fãs nas redes sociais, pelas gravadoras. A Universal Music recoloca nas lojas a caixa De todas as maneiras, que abarca 21 discos, entre álbuns (e DVDs) de carreira, musicais, teatro, coletâneas, e raridades, saídos entre 1966 e 1986, saídos com selos da RGE, Philips e Ariola, o grosso de sua obra. Em agosto, MPB-4, grupo que fez parte de sua história nos anos 60, estreia, em Salvador, um show, com músicas de Chico, e participação das cantoras Marian de la Riva e Roberta Sá. Duas peças estão programadas para 2014. Uma nova montagem de Calabar,o elogio da traição, por Ruy Guerra, parceiro de Chico Buarque, e Apesar de você, de Gustavo Paso, inspirada no malandro heterônimo Julinho da Adelaide, ao qual Chico deu vida nos anos 70, para driblar os censores. O cineasta Miguel Faria lança o documentário Chico: Artista e o Tempo. Enquanto isso, estrategicamente, como vem fazendo há anos, o aniversariante refugia-se, em Paris, onde festeja na intimidade, com namorada e parentes mais próximos.
"Sou um amador. Acontece a mesma coisa com as canções, não sou um profissional. Entretanto, mesmo assim consigo me safar", o comentário d maior ator brasileiro de canções para a jornalista Jamima Hunt, do jornal inglês The Guardian. O motivo principal da entrevista era o lançamento na Inglaterra, em 2004, da tradução do romance Benjamin. Com 40 anos de profissional da música, Chico Buarque tornou-se mais celebrado no exterior como escritor. Tornou-se uma referência em literatura brasileira, e cada vez menos o compositor mais requintado do Brasil, sobretudo para a nova geração de jornalistas de cultura. Em algumas matérias no exterior, ele é um ex-músico de jazz. Até já o confundiram com outro Buarque. Num site da Internet encontra-se esta preciosidade: "... o Ministro da Educação do Brasil, Cristovão (Chico) Buarque, mais conhecido como poeta, compositor e músico, em uma visita a uma universidade americana foi perguntado sobre a possibilidade da internacionalização da Amazônia..."
Quando lembram que ele também “fez” música recorrem ao cantor de protesto, opositor da ditadura militar: “Não empregamos a palavra com o mesmo sentido que tem na França ou na América Latina. Temos uma tradição, no entanto, de lidar com temas sociais nas canções. A realidade dura do cotidiano está na música carnavalesca. Els são divertidas, fartas em ironia, e mesmo que você tenha acesso apenas às letras dá pra imaginar as melodias”, explicou Chico à jornalista do The Guardian. Embora em sua música mais recente tenha canções que abordam o político e o social, o compositor esquivou-se de ser ungido como líder da oposição à ditadura, embora a tenha combatido com atos e palavras até o final, e eleito um dos alvos da feroz censura do regime militar.
(leia matéria compmeta na edição de hoje do Jornal do Commercio)