Rui Paula, definitivamente, não pode ser acomodado na prateleira dos chefs comuns. Extraordinariamente, pertence a dois tempos. Poderia ser entendido como um dos grandes representantes da era Michelin, quando a gastronomia era militarmente codificada, as cidades tinham um ou dois endereços realmente importantes e todos rezavam pela cartilha de Ducasse ou Bocuse. Mas também poderia ser classificado como um gênio criativo que soube, de fato, entender e reprocessar a reinvenção da cozinha pelos métodos e criatividade laboratoriais do mago molecular Ferran Adrià. Sui generis, Rui Paula, pertence, enfim, a dois mundos.
Pois o chef português, um dos poucos da terrinha no seleto clube dos chefs mais influentes e respeitados da gastronomia europeia contemporânea, acaba de completar um ano da operação do restaurante que leva seu nome no Recife. Com instalações arrojadas dentro do RioMar, é a primeira aventura empresarial fora de Portugal. “Foi um ano interessante, de muito público na abertura, depois menos público, e, agora, um movimento muito bom e constante novamente”, diz Rui. Uma crítica sua que persiste é o alto preço de alguns insumos e a impossibilidade de encontrá-los no Recife. Com a consciência de que precisa equilibrar o cardápio entre o tradicional e o mais técnica e conceitualmente ousado, o chef acaba de imprimir novidades na ementa do Rui Paula.
“Há, sempre, o paladar mais ousado, mas o recifense é grande apreciador da cozinha tradicional portuguesa”, diz. Não exatamente português, mas imensamente tradicional, a terrina de foie gras em crosta de pistache com brioche é algo que nos coloca diretamente em contato com o sublime. Melhor ainda se harmonizado com um vinho licoroso húngaro Tokaj (a casa é uma das poucas a servi-lo, com sua ampla carta de vinhos, vários deles disponíveis a copo). Entre as entradas quentes, uma das novidades é um delicadíssimo ravióli de tinta de lula recheado com sapateira, o cultuado caranguejo gigante português, sobre um molho cremoso de ostras. Um prato que une o conforto do creme com um incrível caráter marinho.
Entre as carnes, a novidade é um lombo desafiadoramente macio de black angus sobre pastelão de salpicão – não aquela salada de final de ano, mas o que os portugueses entendem pelo nome: defumado de porco numa espécie de tortilla. Aromática e intrigante é a pré-sobremesa constituída de uma sopa de eucalipto, perfumada e adstringente, com frutas vermelhas. É a forma de se limpar o palato para a epifania que é a tábua de minissobremesas portuguesas do final. Rui Paula é também um chef raro porque, embora dono de vários restaurantes, não pode ser visto como um típico flying chef. Ao contrário de cardeais como os próprios Bocuse e Adrià, preocupados demais em administrar seus negócios de Miami a Cingapura, Rui é um chef que, curiosamente, cozinha. Um dos últimos grandes a fazê-lo. Ainda que conte com um sous chef militarmente treinado em cada unidade, não é raro encontrá-lo pelo salão com o jaleco dignamente sujo. É o que podemos ver pelo RioMar, onde ele se encontra esses dias.
Rui Paula – RioMar Shopping, Pina. Funcionamento – Diariamente das 12h às 15h30 e 19h às 23h. Tíquete médio: R$ 100. Fone: 3048-4293.