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George Harrison tem caixa de discos solo com selo da Apple

Carreira individual começou em 1868, com uma trilha sonora

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 09/11/2014 às 6:00
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Um dos comentário mais comuns em relação a George Harrison:”Ele teve o azar de tocar no mesmo grupo que John Lennon e Paul McCartney”.Parafraseando a tirada sem autor certo e sabido, o azar amplia-se para Lennon e McCartney que, feito Harrison, que também estiveram num grupo chamado Beatles. Ringo é o único que não poderia dizer isso. Como compositor bissexto, com tinha direito a uma, duas faixas, como vocalista, ele não precisou provar nada depois que a banda acabou, tanto que sua carreira solo, até 1974, é pontuada por megahits internacionais. É provável que sem os Beatles, onde tem engenhosos e originais arranjos de bateria, Ringo fosse hoje mais um setentão que, nos finais de semana, recordava nos pubs de Liverpool, os tempos em que tocou num grupo chamado Rory Storm and the Hurricanes, quando a cidade foi tomada por uma onda pop no começo dos anos 60. 
Mas teve os Beatles, que não foi uma onda, foi um tsunami. Tal como todo tsunami, quando ele acaba, não deixa nada no lugar. Depois dele nada será como antes. Os Beatles foi o único nome da música pop (incluindo cantores e cantoras) que alcançou o status dos mestres da música erudita. A obra tornou-se maior que a banda, transcendeu o alcance restrito do pop ou do rock, tornou-se canônica, será executada, gravada, recriada, durante séculos, como Bach e Beethoven, por músicos dos mais diversos nichos. Porém foi um todo bem maior do que as partes que o formaram. O drama de Paul, John e George foi tentar na carreira solo criar músicas com a mesma qualidade, intensidade, perenidade dos Beatles. Não conseguiram. Nenhum dos três lançou álbum que se compare a qualquer um dos Beatles. Mesmo que, poucos autores da música pop tenha um disco que se compare a alguns discos solo dos ex-Beatles, como Imagine, de John Lennon, Band on the Run, de Paul McCartney, All things must pass, de George Harrison, ou Ringo, de Ringo Starr (este, na prática, o último disco do quarteto).
O introito, para comentários sobre a caixa George Harrison – the Apple years 1968 – 75 (Universal Music), que reúne os seis discos lançados por Harrison com o selo da Apple Records, dois deles, enquanto o grupo ainda existia. Wonderwall music (1968), e Electronic sounds (1969). All things must pass (1971), Living in the material world (1973), Dark horse (1974),e Extra texture (1975). Harrison afirmou uma vez que as duas melhores coisas que lhe aconteceram na vida foi: primeiro, entrar nos Beatles e, em segundo, sair dos Beatles. Mas ninguém deixa de ser um beatle. Tanto em seus discos, quanto nos de John e Paul sente-se a intenção de superar o trabalho que juntos realizaram com o grupo. Apenas Paul McCartney, muitos anos depois, livrou-se deste estigma, até porque deve ter entendido que era impossível querer ser os Beatles sozinho. Até hoje, lota estádios mundo afora, e se apresenta para um público que veio ali ver também John, George e Ringo. Paul faz-lhe as vontades: canta sucessos solo, e canções do Fab Four, inclusive de George e de John.
O único álbum de George Harrison que obteve quase unanimidade na crítica foi All things must pass, não por acaso formado por canções compostas para os Beatles, e que não entraram nos discos do grupo. Ou seja, All things must pass, um dos álbuns definitivos do rock and roll, é um disco de sobras dos Beatles. Música de altíssima qualidade, mas que teve que disputar vaga com músicas de altíssima qualidade. A produção de Phil Spector, reverenciado por John e George, pelo seu trabalho como produtor de bandas femininas no começo da década de 60. No entanto, Spector imprime ao álbum uma mesmice sonora impensável num disco dos Beatles. Sua famosa parede de som impede que a música de George Harrison diversifique a sonoridade, até mesmo da guitarra, uma característica marcante dele. Lançado quando muita gente ainda fazia fé na volta do grupo, All things must pass daria um ótimo álbum duplo. Tem um terceiro disco de jam sessions, dispensável, apesar de ter Eric Clapton, Ginger Baker, Gary Wright, Dave Mason. Música que tem sentido hoje como bônus, ou seja, contrapeso em relançamentos como os desta caixa.
Quando fez Living in the material world, dois anos depois, George já se tornara o o maior responsável pela popularidade dos hare krishna no ocidente. A dedicatória já diz tudo: “All Glories to Sri Krsna”. Embora com belas melodias, mas que em sua maioria insistem em cantar sua adesão ao HK, louvações ao Ser Supremo, como The lord loves the one (that loves themselves), com diatribes contra o mundo material composta por um músico que não chegara ainda aos 30 anos, e já conquistado tanto, tornado-se multimilionário graças ao dom da música. Falta sobretudo a Harrison o bom humor inglês, outra característica dos Beatles. Ele só transparece em Sue me sue you blues, comentário sarcástico sobre as querelas judiciais que atormentavam os quatro ex-integrantes dos Beatles na época.
(leia matéria na íntegra na edição impresa do Jornal do Commercio)

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