Logo depois de lançar Kind of blue, no começo de 1960, Miles Davis viajou para oito concertos na Europa com os músicos que formavam o quinteto com que gravou um dos disco mais célebres do jazz. Tocaram em 20 cidades de nove países. A maioria das apresentações foi transmitida pelo rádio, origem de dezenas de álbuns bootlegs (discos de gravadoras clandestinas) com esses concertos (parte do repertório dos bootlegs também veio de gravações pessoais de fãs). Seria a última turnê que o saxofonista John Coltrane faria com Miles Davis, terminando cinco anos de uma convivência
entremeada de grande música e desentendimentos. Em 1957, por exemplo, Miles Davis, durante um concerto, perdeu a paciência com Coltrane e, no backstage, aplicoulhe um tapa na cara e um soco no estômago. O saxofonista simplesmente foi embora. Voltaria a tocar com Miles Davis em 1958, e aceitou participar da viagem em 1960 porque precisava de dinheiro para formar seu próprio grupo. Já era evidente que Trane já havia forma criado seu próprio tipo de blues e não precisava mais estar à sombra de Miles. Porém ao tocar o que a crítica batizou de "sheets of sound", grosso modo, "cascata de sons", ele assustou plateias, que não entendiam sua música, que contrastava com a sofisticação contidada música de Kind of blues, cujo repertório era a base dos concertos. Privilegiados os que tiveram a sorte de assistilos nesses concerto. Miles Davis
numa de suas fases mais criativas, limpo do vício de heroína, e John Coltrane graduado para se tornar um gênio do jazz, no mesmo patamar do trompetista. Os dois tocavam com músicos brilhantes, Jimmy Cobb (bateria) Paul Chambers (contrabaixo) e Wynton Kelly (piano). Num ano em que as caixas fizeram a festa de melômanos, e a alegria das gravadoras, o ano terminou com uma caixa que deve ser incluída entre as mais importantes de 2014: All of you the last tour 1960 featuring John Coltrane, quatro CDs que pela primeira vez reúnem as gravações que já se conhecia de discos qualidade sonora sofrível, como é normal em bootlegs. Aqui a qualidade vai da boa à ótima, apesar de 54 anos terem se passado desde a gravação destes concertos (realizados nas cidades de Estocolmo, Copenhague, Frankfurt, Munique, Zurique e Zurich, Scheveningen, esta última um balneário holandês).
São gravações históricas, as primeiras apresentações ao vivo de um disco seminal. Obviamente temas são repetidos, e aí está o melhor destes quatro CDs. A performance do quinteto em So what? em Estocolmo (em 22 de março de 1960), é bem diferente do que se escuta no Kind of blues. São diferentes as oito versões da mesma música, uma das mais conhecidas do álbum. Suprasumo do jazz. Enquanto Miles e os músicos improvisam sobre a linha melódica, Coltrane toca solos como espirais, sem economia nos acordes, levando o sax além dos seus limites.
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)