Biografia

Aracy de Almeida: a centenária dama do Encantado

Poucos lembraram que a cantora completaria cem anos em 2014

JOSÉ TELES
Cadastrado por
JOSÉ TELES
Publicado em 23/01/2015 às 6:00
Leitura:

“Já enjoei de cantar. O ambiente não ajuda, e o mingau anda grosso”, uma das incontáveis tiradas da cantora carioca Aracy de Almeida (2014/1988), cujo centenário, no ano passado, passou despercebido, o que pode ser explicado, embora não justificado. A cantora de voz nasalada, principal intérprete de Noel Rosa, nunca entrou na moda, seus discos estão fora de catálogo, e quando se lembram dela é como a intratável integrante do corpo de jurados do Programa Sílvio Santos, distribuindo notas baixas e altas críticas aos desditados calouros. Um personagem que forjou e que era muito bem pago. Aracy de Almeida – não tem tradução, Eduardo Logullo (Veneta, 214 páginas) foi uma das poucas homenagens para Araca (como a chamavam os amigos) em 2014. É uma biografia diferente, formada por fragmentos. O que Aracy falou, em frases soltas, entrevistas, em bate-papos, o que escreveram sobre ela, recortes de jornais e revistas. 

A história de Aracy de Almeida é um capítulo importante da MPB, e está ligada a pelo menos três gerações: a de Noel, a de Vinicius, e a de Caetano Veloso. Paralelamente, foi bastante ligada a nomes como Antônio Maria, Di Cavalcanti, Denner, com episódios feito este, intitulado Arrocho – “Uma vez Kid Pepe me encostou uma faca deste tamanho na barriga, querendo me obrigar a gravar uma batucada de autoria dele, chamada O que tem Iaiá. Eu gravei, compadre, com a faca na barriga e tudo”. Em tempo. (Kid Pepe (José Gelsomino)1909/1961), foi um italiano, boxeador, compositor da velha guarda. Muitas de suas parcerias, inclusive com Noel Rosa (O orvalho vem caindo), foram adquiridas na base do sopapo. O livro poderia se sustentar apenas no que foi dito por Aracy de Almeida, que gostava de jogar conversa fora. Amiga dos principais compositores de suas época, e viu muitos clássicos nascerem, quando não participou, pelo menos indiretamente de sua criação: “O Mário Lago fica doido de raiva quando eu digo. Mas a ideia da Amélia fui eu quem deu.Um dia sugeri uma frase: Amélia é que era mulher de verdade, ao Wilson Batista. Ele disse que andava sem tempo para compor e então o Ataulfo Alves, que estava perto, pediu a fase para o Mário e o samba foi feito. Tem mais. Dou até o local onde aconteceu: na Leiteria Nevada, ali na rua Bittencourt da Silva”. 

Aracy entrou e saiu de todas, participou inclusive dos festivais da MPB dos anos 60. Num deles foi desclassificada, defendendo Samba da vida (Miguel Gustavo): “… então pra gozação eu cheguei perto de Caetano e disse: Caetano vamos fazer uma música de gozação daquele festival, porque afinal de contas festival é aquilo que a gente sabe, só ganha o que não serve e realmente só ganha o que não é popular. Então o Caetano entrou na minha e eu entrei na dele, e o Caetano resolveu fazer essa música A voz do morto”. O samba alegoria/paródia, crítica, A voz do morto concorreu à Bienal do Samba, em 1968. A história que Caetano conta da origem da música é um pouco diferente, ou não.

ESTAMOS CONVERSADOS

Tocava o telefone, um empresário. do lado de lá do fio, a convidava para receber uma homenagem. Ela deveria cantar, inclusive.

- Homenagem me dá muito trabalho, meu filho. Eu ando cansada. Imagine só: eu passei a manhã inteira cuidando do jardim, tive de tirar tanta terra de lá para cá e você vem com esta história de homenagem.. Hein, e quanto você me pagam para cantar? Vem a resposta.

- O quê? Olha aqui meu filho, quem canta de graça é galo. Antonio Maria foi um de seus maiores amigos, escreveu várias crônicas com Aracy de Almeida como personagem: “... hoje em dia se eu tenho uma casa, eu agradeço a Antonio Maria, porque ele dizia: olha Aracy, nós temos que fazer uma casa grande que é pra gente morar quando ficar velho. Então eu fui no golpe de Antonio Maria e escolhi o subúrbio onde eu moro, lá no Encantado, fiz a casa..

De Aracy ficou também a imagem masculinizada. Ela, que na juventude foi mulher de José Fontana, goleiro do Vasco, No entanto, no perfil que escreveu sobre a cantora, Hermínio Bello de Carvalho, amigo íntimo, registra a o comentário da Dama do Encantado (Encantado, era seu bairro, na Zona Norte carioca): “Amo qualquer um, homem, mulher, bicho, coisa. Dura um dia, um mês. Dura enquanto durar”. Aracy de Almeida – Não tem tradução segue uma ordem, mais ou menos, cronológica, mas pode ser lido aleatoriamente, não é uma narração cartesiana, tradicional, como Aracy nunca foi


Últimas notícias