Jovem Guarda 50 anos

Jovem Guarda, a revolução que foi televisionada

Programa deflagaria um movimento que ganharia o Brasil

Do JC Online
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Publicado em 01/02/2015 às 10:48
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"Roberto Carlos, quase nu e arranhado, fugiu num Volkswagen verde, enquanto mais de 30 meninas de 12 a 16 anos ­ todas usando calça ou saia Lee ­ e o competente cinturão de vaqueiro americano, ficaram gritando na porta do Teatro Record, depois brigando e chorando em disputa do que restava da camisa vermelha do cantor." A cena, narrada na revista Intervalo, com o título de "Roberto Carlos foge para não ficar nu", aconteceu num domingo, depois da estreia do programa Jovem guarda, que foi ao ar em 22 de agosto de 1965, pela TV Record de São Paulo. Participaram também do programa histórico Os Incríveis, Tony Campello, Wanderléa, Rosemary, Ronnie Cord, Erasmo Carlos e Prini Lorez. Nem a TV Record, nem Roberto Carlos, muito menos Magaldi, Maia & Prosperi, a agência de publicidade que idealizou o programa, tinham ideia de que haviam deflagrado uma revolução na música brasileira.

Uma revolução que completa meio século em 2015, e que será contada no Caderno C, em uma série de reportagens, até a data em que as jovens tardes de domingo chegaram à meia ­idade. Com histórias, curiosidades, entrevistas, tanto de quem participou do Jovem Guarda ao lado de Roberto Carlos, quanto os artistas que fizeram o iê­iê­iê pernambucano, como Reginaldo Rossi, ou Almir Bezerra, um dos criadores dos Fevers, um dos principais conjuntos do movimento. "Naquele tempo São Paulo e Rio eram como se fossem dois mundos distantes. Uma cidade não tinha muito conhecimento do que acontecia na outra. Então um dia eu estou em casa, batem à porta e lá está aquele senhor, alto, de terno, me procurando. Quem atendeu foi meu pai, eu pensei até que fosse algum oficial de Justiça. O cara queria que eu fosse para São Paulo com ele, nem explicou direito do que se tratava."

Quem conta isso é Renato Barros, do Renato e seus Blue Caps, grupo que formou com dois irmãos, e amigos. Ele não sabia nada da existência do programa Jovem guarda, embora Erasmo Carlos tenha sido crooner de seu grupo. Renato também não sabia que Menina linda, versão que fez para I should have known better, dos Beatles, estava em segundo lugar nas paradas de São Paulo (e logo, seria primeira, lá e no restante do País). Menina linda suplantou a tal ponto o original dos Beatles que, alguns meses mais tarde, a revista Intervalo, numa matéria sobre a entrega das medalhas de Cavaleiros do Império Britânico aos Beatles, pela Rainha Elizabeth, detalhou: "Banda escocesa com gaita de fole tocou Menina linda".

Nos livros sobre a Jovem Guarda geralmente se conta­ que a TV Record tinha um horário vago em sua grade à tarde, no domingo, devido a proibição da transmissão direta do futebol pela Federação Paulista. A ideia de ocupá­l-o com um programa de música jovem veio dessa eventualidade. Foi assim, mas não apenas assim. O futebol ao vivo foi ao ar para ocupar o espaço deixado aberto pelo programa de Antonio Aguillar, Reino da juventude, na Record. Aguillar foi um dos desbravadores do rock and roll em São Paulo, com programas em rádio e televisão. Boa parte dos artistas que em seguida fariam a Jovem Guarda, se apresentavam no Reino da juventude: Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Sérgio Reis, Renato e seus Blue Caps.

Um imbróglio entre Aguillar e o grupo The Clevers, que depois seria rebatizado de Os Incríveis, provocou o boicote de vários artistas ao programa de Antonio Aguillar, cartas de fãs condenando a atitude do apresentador, e a consequente baixa na audiência. Empresário dos Clevers, Aguillar teria proibido o grupo de usar o nome depois de uma bem­sucedida turnê à Europa, ao Japão e à Argentina. O que o levou a proceder assim (conforme é contado no livro História da Jovem Guarda, de Débora Aguillar e Paulo Cesar Ribeiro), foi o fato de que a pessoa que o empresário convidou para acompanhar os Clevers passou a influir no grupo, com o intuito de empresariá­-lo. Aguillar proibiu o grupo de usar o nome e o caso acabou na Justiça. A confusão sobrou para o Reino da juventude, que saiu do ar.

 O terreno para um programa como o Jovem guarda vinha sendo preparado já há algum tempo. No Rio, Jair de Taumaturgo apresentava, na TV Rio, programa Hoje é dia de rock, cujo elenco era praticamente o mesmo que seria contratado pela Record, como recorda Liebert Ferreira, baixista dos Fevers: "A gente formou um grupo no Colégio Piedade, em 1965. Começou tocando em clubes até que fomos à TV Rio fazer um teste para o programa Hoje é dia de rock, passamos e de repente o grupo estava lá, com todo aquele pessoal que depois fez a Jovem Guarda, Roberto, Erasmo, Leno e Lilian, Renato e os Blue Caps", conta Liebert, que na época estava com 19 anos.

 "Jovem" era uma palavra que a publicidade começara a usar, depois que se constatou que os adolescentes brasileiros começavam a consumir, a criar um mercado próprio. A onda jovem foi arrastando muita gente, entre eles um adolescente, nascido em Natal, conhecido como Leno. Ele estava com 16 anos quando formou uma dupla com Lilian Knapp, amiga de infância. Meses depois cantavam no palco do Teatro da Record, na Rua da Consolação, Centro de São Paulo: "Eu estava com 17 anos quando Pobre menina estourou. Mas para mim foi tudo supernatural. Pegava a ponte aérea, fazia o programa, às vezes voltava para o Rio, às vezes continuava em São Paulo", comenta Leno, que voltou a morar na cidade natal.

 

 O sucesso do Jovem guarda foi imensamente maior do que se podia esperar, inclusive colegas de TV, que militavam em outras hostes, como foi o caso de Elis Regina, que soltou os cachorros contra o iê­ iê ­iê nas páginas da Intervalo, a mais importante revista de TV do País, que documentou em detalhes a ascensão e queda do programa. Elis estava fora do País quando o Jovem guarda começou e logo se propagou pelas principais capitais, com a ajuda do videotape: "De volta ao Brasil, eu esperava encontrar o samba mais forte do que nunca. O que vi foi essa submúsica, essa barulheira que chamam de iê­ iê ­iê, arrastando milhares de adolescentes que começam a se interessar pela linguagem musical e são desencaminhados. Esse tal de iê ­iê­ iê é uma droga, deforma a mente da juventude", desabafou a explosiva Pimentinha, então com apenas 20 anos.

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