Música

Padres-cantores: os queridinhos das paradas de sucesso

A interação entre música e religiosidade vem desde Pe. Zezinho, que em 1964 começou a compor canções religiosas

Germana Macambira
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Germana Macambira
Publicado em 05/04/2015 às 6:00
Alexandre Gondim / JC Imagem
A interação entre música e religiosidade vem desde Pe. Zezinho, que em 1964 começou a compor canções religiosas - FOTO: Alexandre Gondim / JC Imagem
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No mercado fonográfico do País, eles estão entre os mais ouvidos e mais vendidos – mesmo que a música não seja o ofício principal de cada um. Superam nomes consagrados da MPB. Ora como cantores, ora como apresentadores de programas televisivos, é fato, nossos padres viraram artistas. Com direito a tudo o que vem junto com a carreira de astros: agendas cheias, compromissos em estúdios, passagens de som para shows e outras facetas peculiares ao mundo das celebridades. 

Uns mais, outros menos, mas todos com uma rotina que se alterna entre celebrações eucarísticas e palcos Brasil afora. Um fenômeno que tem como precursor o padre Zezinho, autor da Oração pela família, música entoada desde 1990 em igrejas espalhadas não só pelo Brasil, mas pelo mundo. As músicas do Pe. Zezinho foram traduzidas para cinco línguas e divulgadas em mais de 50 países. Desde a década de 1960, ele se mantém como referência entre os padres cantores, tendo inspirado a trajetória de outro não menos famoso: o Pe. Fábio de Melo. Antes mesmo de sua ordenação, em 2001, Fábio já havia se lançado como cantor. Do primeiro trabalho De Deus, um cantador (1997), já se foram mais de duas dezenas de álbuns e um somatório de milhões de cópias vendidas. 

Assim como ele, outros nomes da música religiosa engrossam os dados da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD): padres Reginaldo Manzotti, Antonio Maria, Padre Joãozinho. Há outro veterano que, de certo, é o campeão absoluto de vendas: o Pe. Marcelo Rossi que, em 2013, desbancou o cantor Roberto Carlos e a funkeira Annita em vendas de discos. Representando Pernambuco entre os padres cantores o destaque é João Carlos Araújo, com oito discos lançados pela Edições Paulinas. 

O mercado de sucesso de astros católicos está sempre em renovação. Agora, os holofotes brilham sobre o Pe. Alessandro Campos, mais conhecido como Padre Sertanejo, pela dedicação ao ritmo. Além de lotar os espaços por onde se apresenta, com versões country de composições religiosas, ele mantém na TV Aparecida (acessível por canais de TV a cabo), um programa que recebe nomes do sertanejo no País. “Artista? Se for para ser artista, que eu seja chamado de artista de Jesus Cristo”, ressaltou o pároco, em entrevista ao Jornal do Commercio. Em 2014, ele ultrapassou a marca de 850 mil cópias vendidas com o disco O que é que eu sou sem Jesus? e entrou para a lista dos religiosos campeões de vendas. 

Com uma levada mais pop, os cânticos eucarísticos saíram das dependências das igrejas e foram bater na porta das gravadoras. Resultado? Um repertório que continua a atrair fiéis, agora transformados em fãs. “Jesus, na sua época, utilizou de todos os meios de que dispunha para atingir mais pessoas. É nosso dever, como cristãos, fazer com que o Cristo seja conhecido por todos”, salienta Pe. Reginaldo Manzotti, conhecido como o padre que reúne multidões. Ele completa: “Sou um servo de Deus com pressa em evangelizar”.

Com nove CDs e três DVDs gravados, indicação ao Grammy Latino e mais de 1 milhão de cópias vendidas, além de já ter dividido o palco com nomes como Thiaguinho, Joanna e Gustavo Lima, Pe. Manzotti garante ter como foco a catequização pela música. “Sou padre que se utiliza da música e dos meios de comunicação para evangelizar e, como servo de Deus, encaro com muita responsabilidade esse serviço.” 

Fato corroborado por artistas como a cantora Fafá de Belém que mantém, em paralelo a outros trabalhos, um repertório de músicas religiosas. “Levar a fé – que faz, ou pelo menos deveria fazer parte da vida de qualquer pessoa – é uma das grandes contribuições que esses religiosos podem oferecer”, comentou.

 

QUANDO O ALTAR PASSA A SER DIVIDIDO COM PALCOS E HOLOFOTES

“Sou padre por vocação, artista-compositor por natureza e cantor por acidente.” A declaração é de João Carlos Almeida, mais conhecido como Padre Joãozinho. A frase reitera a interação entre música e religiosidade ou entre os ofícios. O pároco deixa claro, inclusive, que, se não fosse sacerdote, talvez não seguisse como cantor, mas seria, sim, um compositor. “A Igreja Católica, por sua natureza, é missionária. O fato é que há uma multidão de fiéis que se aglomeram a cada apresentação, missa ou quaisquer outras celebrações que tenham, no palco, os religiosos que se tornaram ídolos da música”, salientou. 

Apesar de reconhecer que não são, necessariamente, as apresentações nos palcos fora das igrejas que atraem mais as pessoas, Pe. Joãozinho admite o ‘chamado’ como cantor para evangelizar e, consequentemente, atrair mais fiéis. “Os shows ajudam, sim, a trazer mais fieis. Mas é o Espírito Santo quem nos torna dóceis à palavra de Deus. Desde a minha infância, descobri os dons do sacerdócio e da música. As pessoas quiseram a mensagem que saía do meu coração, cantada com a minha própria voz. Passo por lugares onde as pessoas cantam de cor algumas de minhas canções. Isto é um sermão de cinco minutos que ficará para sempre gravado no coração de quem me ouve”, salienta.

Quanto às dificuldades de uma rotina midiática, ele assume que são muitas – tal qual os artistas que são cantores por profissão. Lidar com as obrigações que vão além das dependências de um altar de igreja, é o maior desafio. Passagem de som, estúdio e ensaios precisam ser incorporados à rotina 

“É difícil, sim, lidar com a fama. Se algum sacerdote missionário da canção disser que é fácil ser um padre que utiliza a música ou outra arte em sua missão, está mentindo. Ser um padre mais ‘básico’ é bem mais fácil. Mas Deus criou pessoas com alma de artista que, como diz a canção, ‘tem que ir aonde o povo está’. Dez horas numa van, ensaios, estúdio, passagem de som, tudo para uma hora e meia de show. Mas que fique claro: um padre ‘espetacular’ não pode deixar de ser também um padre ‘elementar’”, frisa Pe. Joãozinho.

Talvez seja a mesma rotina seguida pelo padre Fábio de Melo, outro campeão de gravações e vendas de discos religiosos – o que pode justificar a sua impossibilidade nos conceder uma entrevista, apesar das inúmeras solicitações que fizemos. 

 

O DESBRAVADOR

Com a propriedade de chegar aos 73 anos e quase 50 de sacerdócio, José Fernandes de Oliveira, o Pe. Zezinho, religioso da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus (Dehonianos), é considerado o responsável pelo pontapé inicial dessa aliança entre música e espiritualidade.

Mineiro da cidade de Machado, começou a compor para usar as músicas que criava em sermões de sua paróquia. É autor de sucessos como Um certo galileu, Vocação Maria de Nazaré. Já dividiu o palco, por exemplo, com o cantor Roberto Carlos (e com o padre Antônio Maria), cantando a Oração pela família

Foi em 1964 que se tornou padre-cantor e, até hoje, é um dos fenômenos da música cristã. Mesmo depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC), em 2012 – o que lhe impôs dificuldades na fala –, o padre não deixou de trabalhar com a causa religiosa, através de suas obras. Nos dois anos seguintes, foram mais oito novos álbuns e outra dezena de livros escritos. Números que se somam aos mais de 120 discos lançados, com mais de 1.500 canções gravadas – a maioria delas lançada pela Edições Paulinas – e quase cem obras escritas, ao longo de sua trajetória.

Unissonante, quando se trata de colocar a vida religiosa acima da vida artística, Pe. Zezinho afirma com veemência: “Canto porque sou padre, não o contrário. Bem mais do que ter fama, o padre tem que atestar que sabe exercer bem o sacerdócio. Além do que, a mensagem sempre tem que ser maior do que o mensageiro”.

Declaração consolidada por deixar prevalecer o seu ofício de pregador da palavra de Deus, apesar da vasta biografia de professor, orientador, escritor e pesquisador da comunicação religiosa. Além de cantor e compositor de sucesso, claro. Embora se mantenha avesso ao poderio da fama, quando esta ultrapassa os limites da vida religiosa. “Ninguém deve seguir além dos caminhos da pregação, em busca de um púlpito. A missão da espiritualidade é a maior de todas. O sucesso e o impacto de números não podem governar o sacerdócio.”

 

DE PERNAMBUCO

Assim como Pe. Zezinho, o pároco da Congregação Salesiana de Pernambuco (comunidade que ingressou em 1976), o Padre João Carlos Araújo, prefere priorizar o seu ofício de religioso, embora se reconheça como um evangelizador que afirma a sua fé através da música. 

Além de padre-cantor – incumbência assumida há pouco mais de duas décadas e que lhe rendeu oito discos lançados, todos eles, pela Edições Paulinas – ele também está à frente da direção do Colégio Salesiano, no Recife, da coordenação pastoral e da comunidade paroquial. O lado artístico, para ele, é “um excelente instrumento de anúncio do evangelho”. 

“As pessoas têm direito a um serviço artístico de qualidade também nessa área religiosa.” Quando indagado sobre a opção de se tornar cantor, ele afirma, com segurança, de que a sua vocação não é esta. “Com certeza eu não seria cantor, se não fosse padre. Nunca pensei em ser um artista. Sou padre Salesiano. Esta é a minha vocação. Cantar é apenas uma forma de realizar a minha missão de ser um sacerdote educador.” 

E como tal, Pe. João Carlos não abre mão de evangelizar através de outros serviços que ele próprio afirma terem mais importância do que o lado artístico do sacerdócio. “Eu sou um padre que canta para evangelizar. E, por isso, quero realizar bem o ministério da evangelização como cantor e artista, mas sem deixar de lado outros serviços até mais importantes, como a liturgia, a catequese e a pregação”, ressaltou.

 

UM ALTAR SERTANEJO

Desde criança, em Guaratinguetá (SP), onde nasceu, o padre Alessandro Campos usava suco de groselha e bolachas Maria para servir como vinho e hóstia de suas missas “de brincadeira”. Ordenar-se padre foi, desde sempre, o seu desejo, garante. Aos 32 anos e de maneira pouco convencional, celebra a palavra de Deus: usa chapéu de cowboy, calça justa, botas e cinto de couro.

Acompanhe a entrevista com o padre sertanejo, Alessandro Campos:

 

JORNAL DO COMMERCIO Quais os ídolos sertanejos que já subiram ao palco com o senhor?

PADRE ALESSANDRO CAMPOS – No meu programa na TV Aparecida, o Aparecida sertaneja, Deus me proporcionou receber a maioria deles e partilhar os maravilhosos momentos de canção e oração. São duplas que escreveram a história da música sertaneja no Brasil.

JC – Podemos chamá-lo de padre, cantor e artista?

PE. ALESSANDRO – Pode me chamar de Padre Alessandro, o que eu sempre quis ser. Desde quando brincava de celebrar missas em minha casa. É o que eu mais gosto de fazer na vida: rezar e cantar. Isso não é novo para mim. Venho de uma família do interior, da roça, pobre, que tinha a cultura de, sempre aos domingos após a missa, se reunir no almoço e cantar e tocar músicas sertanejas. As de raiz, que chegavam pelas vitrolas e rádios. Na época, eu já estudava para ser padre e imaginava poder celebrar uma missa de forma diferente, para levar mais pessoas à igreja. Após a leitura do Evangelho, eu canto músicas sertanejas que tragam mensagens de fé, que falam de Deus. Todo cantor sertanejo canta essas temáticas.

JC – É preciso evangelizar. E, portanto, qualquer forma se torna interessante para atrair os fiéis?

PE. ALESSANDRO – Tudo o que for a “verdade” é a melhor forma de atrair fiéis! Jesus nos diz; “Eu sou o caminho, a verdade e a vida!”. Evangelizar, é levar o evangelho de Jesus Cristo às pessoas; é levar o caminho, a verdade e a vida a todos.

JC – Da sua legião de fiéis, boa parte também é fã da música sertaneja.

PE. ALESSANDRO – Todo mundo tem um pé na roça. Somos um País de sertanejos. Eu também. Por isso, gosto e faço o que amo. Aprendi a cantar o sertanejo de raiz e atendi ao chamado de ser de Jesus Cristo. Sinto que todas as pessoas que gostam da música sertaneja, são pessoas de fé! Nas canções, eu sinto poder ajudar a fortalecer a fé dessas pessoas.

JC – Os evangélicos também atraem multidões e adeptos de suas pregações. A Igreja Católica precisou se reposicionar, com uma legião de padres-cantores, para não perder fiéis?

PE. ALESSANDRO – Eu respondo muito a essa pergunta nas entrevistas e para pessoas que encontro nessa caminhada. E digo que a Igreja Católica não perdeu fiéis. Os fiéis estão na igreja. Os que não estão ou os que saíram são infiéis.

JC – É difícil administrar rotina midiática com as obrigações sacerdotais? O senhor tem ou já teve alguma dificuldade nesse sentido?

PE. ALESSANDRO – A minha rotina é a de anunciar a palavra de Deus. Buscar meios de levar para cada vez mais pessoas o amor de Deus. Fazer com que elas vivam a experiência de se sentirem amados por ele. Para Deus nada é difícil, nós é que colocamos dificuldades em tudo.

JC – Se o senhor não fosse padre, seria cantor?

PE. ALESSANDRO – Eu seria o homem mais infeliz do mundo! Porque o que eu quero é anunciar Jesus Cristo, levar ele para as pessoas. Deus me deu um carisma, o de cantar. Uso esse dom para dizer as pessoas que Deus nos ama como nós somos! Ele nos fez para sermos felizes, cada um conforme o seu chamado.

JC – Tivemos dificuldades em fazer contato com outros dos entre os padres-cantores. O senhor, no entanto, foi um dos mais acessíveis. Já não mais se distinguem os padres dos artistas que se tornaram?

PE. ALESSANDRO – O que eu prego, por onde passo, é que não adianta estar no mais alto degrau de sua vida, ter conquistado fama, poder, dinheiro. Porque tudo isso passa, menos o Senhor em nossas vidas. Claro que os compromissos triplicaram, o tempo vai ficando mais escasso. Mas o principal compromisso deve ser sempre com ele.

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