Tempo e memória são as principais preocupações de Nick Cave, 57 anos, um bardo do rock'n'roll da mesma estirpe de Leonard Cohen, Bob Dylan, Bruce Springsteen e do falecido Lou Reed. Com suas composições de fôlego épico, além de romances e roteiros para filmes, esse australiano cidadão do mundo se abre de corpo e alma em Nick Cave – 20.000 dias na Terra, que estreia nesta quinta-feira (09/04), no Cinema da Fundação.
Trata-se de um documentário sobre um dia na sua vida. Ou, quem sabe, sobre seus 20 mil dias sobre a Terra. Começa com o barulho de um despertador tirando-lhe da cama. Ele fala porque foi morar em Brighton, na Inglaterra, em que o frio gela até os ossos. O motivo é Susie, a mãe de seus dois filhos, um casal de gêmeos.
Para muitos fãs, ansiosos para rever suas performances incendiárias e intimistas em cima de um palco, pode ser que o conceito do filme não seja tão estimulante. Mas quem realmente deseja conhecer a mente dele – e não apenas o inventário de sua carreira –, o filme é uma delícia. Afinal, Nick Cave é de uma honestidade ímpar. Como se expõe demais, chega até a se declarar um canalha arrogante num ataque de sinceridade.
Durante toda a duração do documentário, a sensação que temos é a de assistir ao retrato de um artista em tempo integral – um homem fascinado pelas palavras, que ele maneja como poucos. Ao ver seus arquivos vasculhados, emergem fotos e um diário escrito numa caligrafia meticulosa que mais parece feita por uma máquina de datilografar. “Perder a memória é o meu único medo”, revela.
Dirigido pela dupla Iain Forsyth e Jane Pollard, o filme se assemelha a uma polaroide sobre as obsessões e o método criativo de Nick Cave. A maioria da músicas cantadas por ele, que não são muitas, faz parte de Push the sky away, o 15º álbum de sua carreira ao lado banda The Bad Seeds, gravado em 2013. O maior destaque é a gigantesca Higgs boson blues, que ele canta pelo menos duas vezes.
Filmado em Cinemascope, um formato raríssimo para um documentário, ou melhor, um híbrido entre documentário e filme de ficção, Nick Cave – 20.000 mil dias na Terra também permite que o cantor reencontre o passado. Como se surgissem do nada, entram em seu carro parceiros antigos como Blixa Bargeld e Kylie Minogue, além de amigos como o ator inglês Ray Winstone. Um dos papos mais engraçados é o na cozinha de Warren Ellis, um dos fundadores do The Bad Seeds. Como o filme, a intimidade entre eles é contagiante.