São João

Caju e Castanha temem pelo futuro da embolada

Dupla lança disco no Recife e fecham virada cultural paulistana

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 17/06/2015 às 6:00
Ashlley Melo/JC Imagem
Dupla lança disco no Recife e fecham virada cultural paulistana - FOTO: Ashlley Melo/JC Imagem
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“Se fosse hoje a gente nem tinha começado, por falta de espaço pro embolador”. A conjectura é feita por José Roberto da Silva, mais conhecido como Castanha. Com o irmão José Albertino da Silva, Caju, ele formou uma dupla de emboladores que se distinguiu, entre os muitos que batalhavam no Recife, pela idade. Começaram crianças, em pandeiros adaptados de latas de goiabada. Incluídos no premiado documentário Nordeste: Cordel, Repente, Canção, de Tânia Quaresma (1978), os garotos tornaram-se conhecidos nacionalmente, passaram a receber convites para participar de programas na TV no Rio e São Paulo. Passados 43 anos, Castanha está no Recife divulgando o 26º disco da dupla Caju & Castanha, com 40 anos de estrada, e há 14 anos, sem Caju, falecido em 2001, substituído pelo sobrinho Ricardo Alves da Silva. Inicialmente chamado de Cajuzinho, Ricardo perdeu o diminutivo no nome artístico, e é conhecido também como Caju.

Castanha ressalta a embolada como gênero em extinção, que não tem se renovado, com a morte ou aposentadoria de alguns dos mais habilidosos, feito os lendários Rouxinol, Pinto, Oliveira e Beija-Flor: “Não tem mais praça, feira, não se pode cantar em ônibus, Uns pararam e passaram para a cantoria de viola. Tem alguns que se mudaram para São Paulo. Espero que surjam novos artistas para dar continuidade à embolada. Quando a gente começou a embolada não era nada. Ninguém dava valor”.

Indagado se a dupla vai bem, Castanha responde: “Mais do que merecemos”. Para quem foi para a rua com sete anos de idade para contribuir com o sustento da família, ele esta bem. Mantêm programas diários em duas emissoras paulistas, na Rádio Capital e na Ótima FM, nesta última transmitidos para grandes cidades do interior, como Ribeirão Preto e São José dos Campos. Programas pré-gravados, pois a dupla tem agenda constantemente ocupada.

Fazem apresentações por todo os País, com eventuais idas ao exterior. Os risonhos emboladores riem de si mesmos, quando lembram de micos passados em viagens à Europa ou EUA: “A gente não fala nada da língua deles. Fomos a Los Angeles, pro Grammy Latino, que a gente foi indicado. Aquele hotel cinco estrelas, nós dois no restaurante, e eu chamando o garçom. Era ‘amigo, amigo’, e ele nada. Parecia que era meu inimigo. Até que enfim ele trouxe o cardápio. Tudo em inglês. Falei o nome de umas comidas, feijão, feijoada e nada. Aí a gente desistiu e começou a olhar o cardápio, só tinha uma palavra que dava pra entender: bacon. Os bacons de lá são uns pedações deste tamanho. O tempo que a gente tava lá só pedia bacon”. O cardápio reduzido aconteceu também na Inglaterra, onde passaram alguns dias numa dieta de pão e sardinha em lata.

Formados na universidade da vida, para eles é muito mais do que frase de para-choque de caminhão. A primeira vez em que viajaram de avião, para fazer o programa Sílvio Santos, recusaram o generoso serviço de bordo da antiga Varig porque achavam que fosse pago: “Foi um brincadeira que um cara fez com a gente. Disse que se a aeromoça oferecesse comida e bebida a gente não aceitasse porque era pago e custava caro. A gente foi até São Paulo morrendo de fome e só dizendo obrigado à aeromoça”, ri Castanha.

Mistura de ritmo (distribuição WDisc), como o título assinala, reúne uma variedade de ritmos – coco, embolada, arrasta-pé. Caju e Castanha para sobreviver na metrópole tiveram que adaptar a embolada, incrementá-la com outros instrumentos. Não cabiam mais apenas voz e pandeiro: “A gente canta com banda. Hoje participamos de festivais como o Lollapalooza, no ano passado”.

Na mistura cabe até rock. A clássica Futebol no Inferno, adaptação de um cordel de José Soares, que toca com eles é banda baiana de rock Vivendo do Ócio: “Tem algumas músicas de Bráulio de Castro, que está quase sempre nos discos da gente. Uma delas é Só Tem Ladrão, que fala dessas coisas que acontecem ai, da roubalheira. Regravamos A Veia Debaixo da Cama e tem até funk com embolada”, diz Castanha. A dupla fecha a virada cultural em São Paulo, domingo, na Estação da Luz.

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