Em 1955, a qualidade dos equipamentos, sobretudo para concertos em espaços abertos, era precária. No festival de jazz de Newport naquele ano, Miles Davis entendeu isto e tocou com o bocal do trompete encostado ao microfone. Este artifício trivial otimizou sua performance. O festival estava sendo transmitido para a Europa pela rádio A Voz da América. Miles fez uma apresentação antológica que levou a CBS a contratá-lo. A transmissão de A Voz da América virou disco pirata de sucesso na Europa durante anos, assim como todas as subsequentes apresentações de Miles Davis no NJF.
A série bootleg de Miles Davis da Sony Music/Legacy ganha mais um volume com Miles Davis at Newport – 1955 – 1975 – The Bootleg Series vol.4. Um álbum com quatro CDs, documentando da estreia há 60 anos até seu concerto final no NJF há 40 anos. Antecipando o procedimento de eventos como o Rock in Rio ou Lollapalooza, o NJF foi itinerante, aconteceu também em outros países, como Alemanha e Suíça, onde Miles Davis foi a maior atração, respectivamente, em 1971, e 1973. A estreia de Miles é apresentada pela lenda Duke Ellington, para o qual o trompetista e seu grupo era o novo ainda não inteiramente assimilado por ele.
Miles at Newport registra as mudanças do camaleão sonoro, quebrando regras, virando a mesa, procurando ir sempre além dos limites. Trazendo, sempre para o palco bandas de luminares do jazz. Em 1955, Davis estava sem banda e tocou com músicos convidados pelo criador do festival, George Wein. Tudo gente do primeiríssimos time que, estranhamente, também estava sem grupo na ocasião: os saxofonistas Zoot Sims (tenor), Gerry Mulligan (barítono), Thelonius Monk (piano), Percy Heath (contrabaixo) e Connie Kay (bateria). Tocaram junto só esta vez, tanto que sã creditados não como um grupo, mas como uma jam session. Quem viu, viu; quem não viu, ouça agora e remasterizado.
O desenvolvimento da música de Miles Davis, ao longo dos 20 anos em que tocou no Newport Jazz Festival, corre paralelo à evolução do próprio gênero. O hard bop de 1955 chega a 1958 com um supergrupo formado por Bill Evans, John Coltrane, Cannonball Adderley, Paul Chambers e Jimmy Cobb, tocando temas já clássicos como Straight no Chaser (Thelonius Monk). Foi com esse mesmo grupo que Miles Davis gravaria Kind of Blues naquele ano, mudando os rumos do jazz. Ele só voltaria a Newport em 1966 e 1967, com um dos melhores combos da história do jazz: ele, Herbie Hancock, Ron Carter, Wayne Shorter e Tony Williams, continuando a derrubar cânones do jazz.
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)
