Em Dollar Days, a mais convencional faixa de Blackstar, o novo disco de David Bowie, ele repete, "fool them again, and again". "Enganandoos de novo, e mais uma vez". Texturas sonoras são superpostas, o sax que vinha até então cerzindo a canção emudece e ele continua repetindo frases curtas. O álbum, cujo lançamento oficial acontece amanhã, 8 de janeiro, data do aniversário de 69 anos de Bowie, desde a semana passada vazou na rede (o que já era de se esperar), e confirma, em parte, os elogios da imprensa inglesa e americana, que a ele tiveram acesso antecipadamente.
Bowie, que completa 50 anos de carreira em 2016, é dos poucos astros dos endeusados sixties que continuaram em evidência, não como uma curiosidade do passado (ainda que tenha passado uma década afastado). Embora esteja se vendendo Blackstar como um disco diferente de tudo que o cantor fez antes, Bowie foi produzido por Tony Visconti, que o acompanha desde Space Oddity (1969), e fez com Brian Eno a trilogia de Berlim, Heroes (1977) Low (1977) e Lodger (1979). Blackstar na verdade é uma continuação atualizada daquele período, sem a rigidez do kraut rock que o influenciou na época.
Paradoxalmente, um disco que se tenta mexer na estrutura da música, a tradição literária da canção permanece. A letra continua tendo tanta importância quanto melodia. Bowie, em Girls Love Me, até volta ao Anthony Burgess de Clockwork Orange, cujos personagens falavam o "nadsat", basicamente inglês misturados com expressões russas. Depois das sete faixas de Blackstar pergunta-se se não estará nos enganando novamente, e onde foi que ele nos enganou antes? Na produção dos anos 80 e 90 certamente não foi. Nela estão alguns dos discos mais malhados pela crítica, e pouco escutados pelos fãs, incluindo o desditado grupo Tin Machine.
Next Day, de 2013, com que saiu do retiro de dez anos, o trouxe de volta às vitrines e às paradas, foi coberto de elogios, mas não é páreo ao que fez de melhor nos anos 70, sua década.
(Leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)