Em 1971, o indiano Ravi Shankar, que popularizou a cítara indiana no Ocidente, nos anos 60, participou com George Harrison de um megashow no Carnegie Hall, em Nova Iorque, no qual estiveram também Bob Dylan, Badfinger e Eric Clapton, com renda revertida para as vítimas da guerra pela independência de Bangladesh, uma das mais trágicas e polêmicas do final dos anos 60.
Apesar de tantos outros concertos, e de discursos de líderes mundiais pela paz que não vão além da retórica, o panorama do planeta não se modificou desde então. Os conflitos continuam estourando. Quarenta e cinco anos depois do Concerto Para Bangladesh, a indiana Anoushka Shankar, filha de Ravi, uma das mais celebradas citaristas da atualidade, ganhadora de cinco prêmios Grammy pelo seu disco anterior, Home, dedica um álbum aos refugiados sírios, Land Of Gold, basicamente instrumental, porém com alguns convidados especiais.
Ao mesmo tempo em que mescla as duas correntes eruditas indianas, a carnática, do Sul, e a hindustani, do Norte (que teve em Ravi Shankar um de seus mestres no século 20), Anoushka acrescenta a ambas elementos da música popular contemporânea do Ocidente. Mas em proporções equilibradas, acessível, sem fazer concessões, nem obedecer a ritos da música do seu país. Ao contrário de Home, com mais convidados, incluindo a meia irmã Norah Jones, Land Of Gold é quase inteiramente instrumental, como salientou Anoushka Shankar em uma entrevista a um jornal de San Diego, na Califórnia. Aqui não se trata mais do antigo conceito do Ocidente que se une ao Oriente, mas de integração.
O "East meets West" ficou na época em que o pai dela tocava com Yehudi Menuhin, e outros grandes nomes da música popular do Ocidente, porém sem realmente miscigenar as duas culturas. Com Anoushka Shankar, embora os temas continuem fundamentalmente indianos, orgânicos, com a cítara à frente dos outros instrumentos, os elementos que vão sendo acrescentados de jazz, minimalismo, eletrônicos não se justapõem apenas, são absorvidos, tornam-se um amálgama.
Uma música híbrida, emblemática de um mundo paradoxalmente sem fronteiras culturais, mas em que ainda se levantam, nas fronteiras físicas, cercas de arame farpado para impedir a entrada de refugiados procurando escapar do horror da guerra. M.I. A, a rapper do Sri Lanka, e a atriz e ativista Vanessa Redgrave, mito do cinema, são convidadas no álbum, que tem ainda a participação do baixista de jazz Barry Grenadier e do diretor musical de Björk, Matt Robertson, além do percussionista austríaco Manu Delago, que faz a direção musical de Anoushka e é parceiro dela em nove dos onze temas.
(leia matéria na íntegra na edição impressa do Jornal do Commercio)