João Silva (1935/2013) é um personagem dickeseniano surgido no sertão pernambucano, que saiu de casa, em Arcoverde (PE) quase criança, para se tornar, no Rio, um dos compositores mais gravados da música brasileira. Quem o conheceu sabe que ele foi um malandro, no bom sentido, que contava suas histórias de acordo com a platéia. No documentário, João Silva – Danado de Bom (Mariola Filmes), de Debby Brennand, longa metragem apresentado, ontem, na mostra competitiva do Cine PE, o João Silva que transparece é o populista, despachado, e compositor que se jacta de ter dado, sozinho, um gás à carreira de um Luiz Gonzaga, já em fim de jornada nos anos 80.
Ele foi muito mais do que isso, porém o foco do filme (com narrativa em off de Siba Veloso) é direcionado no Luiz Gonzaga, de quem João Silva foi o compositor mais gravado. Com exceção de um trecho do programa Som Brasil, com Lima Duarte, em que Luiz Gonzaga e João Silva cantam juntos, Um Pra Mim Um Pra Tu (1989), o filme é pobre em imagens de época, enfatiza as entrevistas em Josildo Sá, e em Gennaro, o sanfoneiro e compositor, que pertenceu ao Trio Nordestino, e gravou com Gonzagão. Ambos, embora tenham convivido com ele, não são exatamente da geração de João Silva.
Baseado a biografia Mestre João Silva – para não morrer de tristeza – o maior parceiro de Luiz Gonzaga, de José Maria Almeida Marques (Edições Bagaço), o documentário leva João Silva até o sítio onde morou quando menino, na zona rural de Arcoverde (onde o filme começa e termina), e é contado em boa parte na primeira pessoa, pelo próprio compositor. Com muito de contador de “causos”, o que deve ter aprendido dos antigos cordelistas, que manipulavam as emoções da platéia para vender seus folhetos, João Silva conta a história que acha melhor ser contada para aquela platéia.
Em muitos momentos do filme, João Silva émanipulador, quando, por exemplo, confessa, com ar de constritado, ter cometido excessos sob feito da bebida, ou das muitas mulheres que amou e pelas quais foi deixado (admitindo que foi o culpado). E aí é curioso que num filmes com participação de tantas mulheres, na direção e na produção, não se cite nem o nome das mulheres de João Silva. São poucas as imagens e histórias no Rio, onde ele viveu 50 dos seus 77 anos. Deveriam estar ali nomes como Pedro Cruz, homem de gravadora, que entrou em várias parcerias com João Silva, com pseudônimos diferentes, entre eles o de Zé Mocó, ou produtores como Rildo Hora ou Zé Milton, que trabalharam com Gonzaga nesta época, e conheceram bem João Silva.
Ele sabe o que dizer e na hora certa de dizer. É histriônico, é turrão, é engraçado, e fanfarrão, de frases feitas, mas explicando seu método de compor define exatamente o estilo João Silva: “Só me interessa quando vejo que a música é pegajosa”. Foi um mestre no refrão, o mais pop dos compositores de Luiz Gonzaga, que gravou cerca de 130 música de Silva. Nem todas grandes músicas, nem todas sucessos. Mas quando acertava, era na veia, tanto que composições como Danado de Bom, Deixa a Tanga Voar, Forró de Cabo a Rabo, Nem se Despediu de Mim, continuam sendo até hoje regravadas.
Mas na música, o documentário, cita ligeiramente, o samba de latada, com letras passionais, que João Silva criou com Abdias dos Oito Baixos, que teve em Pra Não Morrer de Tristeza, seu maior sucesso (foi gravado por Ney Matogrosso, em 1976), um estilo que foi seguido por muita gente do forró, inclusive Ary Lobo e Osvaldo de Oliveira. Mas a composição mais comentada de João Silva em Danado de Bom é Pagode Russo, da qual são mostradas interpretações por diversos músicos. Luiz Gonzaga gravou Pagode Russo instrumental em 1947. Só em 1965, regravou a música com letra de João Silva, e que letra.
Danado de Bom, embora falte mais aprofundamento na obra do compositor, Danado de Bom é um documento precioso que preserva a história de um dos autores populares mais bem sucedidos do país, cujas principais músicas são cantadas e conhecidas sem que se saibam quem é o autor (quando muito são atribuídas a Luiz Gonzaga). João Silva é a própria definição que Jacinto Silva deu uma vez do forró: “é poeira, é simplicidade”. João foi isto, e ai o filme acerta em cheio, mostrando o seu português ruim, um nordestino que se orgulha de suas origens e que, setentão, passeando de van por Arcoverde, parece não acreditar que o menino pobre, que parece ter saído de um livro de Dickens, chegou tão longe. A platéia aplaudiu de pé.
SEXTA- Antes de Danado de Bom, na sexta do Cine PE, foram exibidos os curtas Gosto de Carne, de Álvaro Severo e Everton Maciel; Maria, de Carol Correia; e Redemunho, da também atriz Marcélia Cartaxo (que não compareceu ao Cine São Luiz por estar participando da novela O Velho Chico). À meia-noite, foi exibido o filme Vampiro 40 Graus, fora da competição, escrito e protagonizado por Fausto Fawcett , dirigido por Marcelo Santiago.