Política cultural

Artistas continuam como entrave pra Temer

Mesmo com a volta do Ministério da Cultura por pressão da classe artística, protestos continuam

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 23/05/2016 às 5:15
Alexandre Gondim/JC Imagem
Mesmo com a volta do Ministério da Cultura por pressão da classe artística, protestos continuam - FOTO: Alexandre Gondim/JC Imagem
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No último sábado, quando Michel Temer recriou o Ministério da Cultura, depois de tê-lo extinto em menos de 24 horas após assumir interinamente a Presidência da República, o contorno ficou mais nítido. Pedra no seu sapato, a classe artística brasileira é hoje o campo mais organizado em oposição ao novo governo. Inicialmente escalado para acumular a Educação e a Cultura numa única pasta, o pernambucano Mendonça Filho (DEM) confirmou que o restabelecimento do MinC se deu no intuito de serenar os ânimos.


“O presidente avaliou que seria melhor recriar o Ministério da Cultura pelo caráter emblemático que tem a pasta. A sua fusão à da Educação foi no sentido de reduzir o tamanho do governo, mas, diante das reações, optou-se por voltar à configuração original”, justificou o agora ministro, apenas, da Educação, Mendonça Filho.
Confirmado como novo ministro da Cultura, o carioca Marcelo Calero deve começar a trabalhar amanhã. Mas não há garantias ainda de que o ex-secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, embora uma pessoa com bom trânsito no meio cultural de sua cidade, vá conseguir o armistício para tocar o trabalho. “Esperamos que os artistas entendam que este governo, estabelecido constitucionalmente, não pode ficar travado e tem que começar a trabalhar”, disse, por meio de assessoria, o ministro Mendonça Filho.


No Rio, por exemplo, manifestantes seguem ocupando o Palácio Capanema, sede carioca da Funarte e do MinC. Ontem, no Bairro do Recife, cerca de três dezenas de artistas ocupavam o antigo escritório de representação do Minc na capital pernambucana. Como ocorre em outras 21 cidades, prometem permanecer em vigília pelo fim do governo que consideram ilegítimo. Um dos diretores mais contundentes do teatro brasileiro contemporâneo, o pernambucano Pedro Vilella era um dos manifestantes. “Não estávamos aqui apenas pela volta do Minc. Nós não podemos reconhecer o novo ministro porque ele faz parte de um governo ilegítimo. Além do mais, esse novo Minc não dará continuidade às políticas culturais de apoio a indígenas, quilombolas, etc, que foram estabelecidas nos últimos 12 anos”, disse. A atriz pernambucana Hilda Torres leu inflamadamente um manifesto elaborado pela Frente Nacional de Teatro: “A cultura forma o sentido e a memória...não vamos permitir retrocesso”. Foi aplaudida pelos colegas de braços erguidos.


Apesar do apoio de personalidades como Lobão e Regina Duarte, a última semana foi de pressão dentro e fora do País contra a decisão de Temer. Com repercussão nos principais jornais do mundo, Kleber Mendonça e a equipe do filme Aquarius ocuparam o tapete vermelho de Cannes com cartazes em denunciavam o “golpe” do Brasil. Mendonça, então, garantiu que, “pelo exercício do contraditório na democracia”, Kleber jamais seria retaliado em seu cargo como coordenador de cinema na Fundação Joaquim Nabuco, subordinada à pasta da Educação.
Atores como Fernanda Montenegro e Marieta Severo organizaram-se em grupos. “Ninguém me convence que colocar uma pessoa do DEM para assumir um ministério híbrido em cultura e educação foi para valorizar qualquer dos dois fundamentais alicerces de desenvolvimento nacional e preservação, valorização, da nossa história", disparou a atriz Camila Pitanga.
“O Michel Temer é um presidente interino. Acho ousado ele estar com essas transformações ministeriais todas prontas. No mínimo, deveria deixar a cadeira esfriar”, disse a cineasta Anna Muylaert.
Insatisfações continuam. “Podemos discutir o Minc e o PT e Dilma, e nos mostrarmos insatisfeitos com muitos pontos como a Lei Rouanet que precisa, de fato, ser discutida sem falar da polícia, da questão indígena, da lei antiterrorismo, corrupção e por aí vai, mas que isso se dê no campo democrático. E o que temos vivenciado é um golpe arquitetado dentro das brechas do nosso sistema político corroído”, disse ontem, do Rio, a cantora Ava Rocha, filha do lendário Glauber e irmã de Eric Rocha que ganhou, ontem, com Cinema Novo, a Palma de Ouro de Melhor Documentário no Festival de Cannes. Pragmaticamente, com a volta do MinC o presidente interino Michel Temer conseguiu desagradar também a quem o defende. Nas redes sociais, transbordam críticas até ofensas ao presidente por não manter a firmeza da decisão original pelo fim do Minc.

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