Biografia

Moby conta em autobiografia como foi de sem teto a superstar

uma história de persistência e superação, porém sem pieguices

JOSÉ TELES
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Publicado em 19/06/2016 às 4:48
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Porcelain ­ Memórias, do DJ americano Moby (Richard Melville Halls), nas primeiras 40 páginas, pode ser utilizado como um livro de auto­ajuda, para ser lido por pessoas que chegaram a um estágio na vida em que as esperanças se dissiparam, sem acreditar na possibilidade de lhes surgir uma luz no fim do túnel. Em 1989, com 24 anos, Moby morava num dos piores subúrbios de Nova Iorque, em um cubículo numa fábrica desativada, sem água ou calefação. Não se sabe bem como, mas a companhia telefônica instalou uma linha para ele. A vizinhança era composta de gente na mesma situação financeira, boa parte de alcoólatras e viciados em crack. As roupas que vestia vinham de associações beneficentes como o Exército da Salvação ou a Associação Cristã de Moços (YMCA).

Vivia de música, discotecando em bares e festas de terceira, ganhando o suficiente para tomar leite de soja e comer alimentos naturais (ele é vegano, não bebe e é religioso). Uma namorada, que trabalhava na revista Interview, lhe contou que o Mars, badalado clube noturno em Manhattan, estava recebendo mixtapes de DJs, que poderiam ser convidados a discotecar na casa. Num velho gravador de quatro canais, ele preparou um cassete. Reprocessou raras gravações de hip hop num lado e raridades de house no outro.

Vestiu a melhor roupa, pegou o metrô sem pagar passagem e foi até o local. Uma negra muito bonita e muito gentil recebeu a mixtape de Moby, mas não lhe deu esperança de que alguém fosse conferir a fita. Quando voltou pra casa, fez algumas gravações de ambient house, comeu, dormiu, saiu de casa pela manhã para comprar dois galões de água mineral. Na volta, conferiu se havia algum recado na secretária eletrônica: "Quando voltei ao meu estúdio vi que havia uma mensagem na secretária eletrônica. Apertei o play, rebobinei a fita e escutei a melhor mensagem que alguém já escutou na história do telefone: "Oi, aqui é Yuki Watanabe falando do clube noturno Mars. Estou ligando para o DJ Moby. Ouvi sua fita. Me ligue para acertamos para você tocar no Mars".Gelei no lugar. Acionei a fita novamente. E novamente".

Salta para o final da década de 90, o DJ Moby já se tornara um nome no circuito em Nova Iorque e, por tabela, nos EUA. Tocava em clubes freqüentado por O.J Simpson e Madonna, a quem foi apresentado uma noite e por que m foi coberto de elogios. Tinha disco gravados, mas vendia pouco, provavelmente quem os compravam eram DJs iniciantes, repetindo o que ele fizera até uns poucos anos antes. Em 1995, lançara o seu trabalho até então mais popular entre os clubbers, Everything Is Wrong. Go, de 1990, demarcou seu lugar entre os DJs da cidade. Mas continuava um nome conhecido num nicho específico.

PLAY

Numa noite fria e chuvosa de um domingo de 1998, Moby ligou para seu restaurante vegano preferido, pediu uma refeição: seitan (carne de glúten) com batata, suco de cenoura, arroz integral e uma salada. Enquanto esperava o pedido, pegou alguns samples de gospels antigos: "Estavam comigo havia anos, embora nunca tivesse descoberto uma boa maneira de usá­los. Tempos atrás eu compusera uma rápida faixa euro chamada Why Does My Heart? Que usava aqueles samples. Felizmente, eu nunca tinha lançado aquilo, porque era muito ruim. Mas sempre adorei aqueles vocais e queria compor algo que lhes fizesse justiça".

Depois de jantar, lavar os pratos, ele voltou ao pequeno estúdio doméstico: "Sentei­-me diante da tela do computador, cliquei em play e ouvi a música como eu a deixara. A bateria era rudimentar, mas soava bem com os samples vocais. Editei os samples vocais que quase passaram a soar como um verso: "Why does My heart/feel so bad?/Why does my soul feel so bad? (Por que meu coração se sente tão mal?/por que minha alma se sente tão mal?"). Moby não sabia que começava a gravar um dos álbuns que figura em quase toda as listas de melhores de todos os tempos, que venderia 12 milhões de cópias daquele trabalho, que o levaria a passar 21 meses circulando pelo mundo.

Play, lançado em 1999, é sua obra-­prima, e o resultado da persistência de um cara nascido no Harlem, em 1965, cujo pai morreu quando tinha dois anos. Viveu com a mãe na banda podre da cidade mais badalada do mundo, e que decidiu que seria músico aos 11 anos. Enquanto a mãe colocava roupas nas máquinas de lavar numa lavanderia pública (lavava as suas e as dos vizinhos que lhe pagavam para isto), Moby ia para o velho Chevvy, ligava o rádio e escutava sua estação preferida.

Eram tempos em que o rádio tocava todos os estilos: Led Zeppelin, Donna Summer, Aerosmith, Elton John. Então, súbito, tocou Love Hangover, com Diana Ross, a música que mudaria sua vida, e o incentivou a ser um astro dali a 20 anos: "Uma música disco em uma rádio AM me dera um vislumbre de esperança: algum dia eu deixaria aqueles subúrbios mortos e encontraria uma cidade onde pudesse entrar em um útero... Um útero disco no qual as pessoas me deixariam ingressar e ouvir sua música... Imaginei-­me abrindo as portas de uma boate no topo de um edifício mais alto do mundo e vendo milhares de pessoas sorrindo pra mim e me dando boas vindas" . Porcelana­ Memórias é uma história de superação, mas sem pieguices, nem exegese à religião, hábitos alimentares, ou mesmo um libelo contra drogas, lícitas ou ilícitas.

Moby bebeu muito no final da adolescência. Entraria nas drogas depois da fama, por causa de uma desilusão amorosa. Parou dez anos depois, em 2009. Esta parte de sua vida não está no livro, que vai até 1999, os capítulos que considera os mais interessantes de sua biografia de estranho no ninho: branco, hetero e careta, numa cena dominada por negros e hispânicos, gay e junkies.

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