QUADRINHOS

Gilbert Hernandez apresenta sua cidade imaginária em Sopa de Lágrimas

O quadrinista americano se inspira na literatura do realismo mágico para fazer um clássico das HQs

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 04/09/2016 às 5:18
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O quadrinista americano se inspira na literatura do realismo mágico para fazer um clássico das HQs - FOTO: Divulgação
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Não há nada mais punk e real do que a vida cotidiana, seja ela a dos grandes centros urbanos, a dos subúrbios ou até a dos vilarejos imaginários. Palomar – a Macondo igualmente fantástica, ainda que quase nada mágica, criada pelo quadrinista americano Gilbert Hernandez – é suja e singelamente bonita de um jeito único, rica e provinciana. Não é à toa que Carmen, uma de suas habitantes, apresenta o local assim: “Bem-vindos, meus amigos, a Palomar. Onde os homens são homens e as mulheres precisam ter senso de humor”.

O guia turístico – na verdade, sentimental e poético, antes de tudo – para conhecer Palomar é nada menos do que a história em quadrinho Sopa de Lágrimas (Veneta, 288 páginas, R$ 79,90), um dos clássicos da produção autoral americana, relançado agora no Brasil. Na história, Gilbert Hernandez, ícone dos cenário punk dos anos 1980 por publicar, junto com seus irmãos Jaime e Mario, a revista e série em HQ Love and Rockets, recria o imaginário de sua origem – apesar de nascido nos EUA, seu pai era mexicano e ele teve uma criação “católica e latina”.

Palomar é uma personagem em si nessas histórias: isolada, quase sem telefones, parece um recanto convenientemente – para a ficção – esquecido do mundo. “O funeral foi pequeno e típico (só teve duas brigas)”, diz a narração, em dado momento. Talvez a vila remeta demais para nós, latino-americanos, às cidades do interior cheias de causos e figuras peculiares, ainda mais quando à referência a Gabriel García Márquez é explícita. Ainda assim, é difícil não se ver apegado, como um observador onisciente, ao local à medida que a leitura avança.

PERSONAGENS

Um dos pontos brilhantes da HQ é como ela conta tantas histórias, cheias de conflitos, sem abandonar o humor empático. De repente, a independente Luba, que cria suas filhas sozinha, parece onipresente na mente do leitor como é no imaginário de homens e mulheres de lá; Tipín Tipín não é diferente de outras figuras excêntricas dos nossos bairros. Soledad, Miguel, Carmen, Satch, Pipo, Tonantzin, Heraclio, todos eles têm seu passado desvelado a cada narrativa – entre desilusões amorosas, retratos do machismo e sonhos impossíveis. 

O traço de Gilbert é marcante e cartunesco. Em dado momento, Sopa de Lágrimas – que deve ganhar ainda dois volumes pela Veneta – flerta com os dramas de uma novela mexicana, mas sempre se permite ver o próprio ridículo. Palomar, no fim de tudo, é uma cidade imaginária porque é um acerto de contas de um quadrinista americano com a herança dos seus pais – é um manifesto de amor pela simplicidade idealizada do passado latino americano dentro do olhar punk da geração da Love and Rockets. Como diz o único leitor da vila ao tentar explicar Cem Anos de Solidão para sua esposa: “É sobre nós, Carmen. É sobre nossas vidas”.

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