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Zé Manoel tem talento reconhecido por artistas consagrados

Compositor ganha tributo com suas canções mais líricas

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 28/11/2016 às 9:47
foto: Divulgação/Ge Prado
Compositor ganha tributo com suas canções mais líricas - FOTO: foto: Divulgação/Ge Prado
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Nas plataformas digitais desde o dia 11, o songbook Delírio de um Romance a Céu Aberto (Joia Moderna), com composições do pernambucano (de Petrolina), Zé Manoel, interpretadas por nomes como Na Ozzetti, Fafá de Belém, Jussara Marçal e Elba Ramalho, é o reconhecimento e valorização de um artesão da canção, como há décadas não surgia na MPB. Sua obra, ainda curta (dois CDs e um EP), é recheada de composições elaboradas, de melodias primorosas e letras exatas: "Conheci o produtor paulista Thiago Marques Luís, através de Ylana Queiroga, que ele tinha gravado, com Ayrton Montarroyos. Estava em São Paulo e mostrei minhas músicas a ele. Quando saiu o disco Canção e Silêncio, Thiago mostrou a Zé Pedro, do selo Joia Moderna. Daí surgiu a ideia de um tributo, que foi feito aos poucos", conta Zé Manoel, em entrevista por telefone, de São Paulo, onde está morando.

José Manoel de Carvalho Neto, 34 anos, é um sertanejo com jeito de mineiro. Ele veio de Petrolina para o Recife, com uma bagagem carregada de músicas, e só dois anos depois é que começou a ser conhecido: "Depois de uma matéria comigo no Jornal do Commercio, as pessoas foram aparecendo, fui me entrosando. Mas depois que fiz Canção e Silêncio, patrocinado pela Natura, estava muito parado aqui. Fiz a circulação que o edital garante, mas foram poucos shows, no Recife, Salvador, Rio e São Paulo. Resolvi morar em São Paulo, aqui as acontecem mais, tem mais espaços", diz Zé Manoel.

Delírio de um Romance a Céu Aberto tem um repertório de onze canções, três delas inéditas. Composições que não se filiam a tendências da música brasileira contemporânea. Zé Manoel é autor cujo trabalho segue a tradição da canção brasileira. Suas composições tanto podem evocar Custódio Mesquita, quanto Johnny Alf, Dolores Duran, Humberto Teixeira, Tom Jobim, Francis Hime. Nordestino, mas Zé Manoel tem inevitavelmente regionalismo em sua música. Porém, mesmo quando permeia suas letras de citações, tanto ao Sertão quanto às águas do Recife. elas são sem sotaque, nem se limitam por fronteiras.

Sol das Lavadeiras, interpretada por Elba Ramalho, é um baião em andamento lento, enquanto Volta pra Casa, com Na Ozzetti, é uma canção praiana à Dorival Caymmi. Água doce, numa interpretação emocionada de Juçara Marçal, descreve uma situação sertaneja com uma melodia delicada como um noturno de Chopin. Amelinha canta a inédita Nós Que Nos Conhecemos Num Navio, que aproxima Zé Manoel da maestria de um Chico Buarque, uma canção cinematográfica, que conta uma história que pode ser aplicada a situações semelhantes, acontecidas em locais diferentes.

A seleção tem um viés para as canções mais líricas do compositor: "As músicas foram escolhidas por mim, Thiago e Zé Pedro, que me pediu também algumas inéditas. Eu mandei para os intérpretes mais de uma opção para eles escolherem. Com Ana Carolina foi diferente, porque fui na casa dela antes, mostrar umas músicas. Ela começou cantando Canção e Silêncio em show e gravou agora neste projeto", diz Zé Manoel, que toca piano em toda faixas (ele estudou dez anos de piano clássico): "Achei muito interessante ter participado, porque as canções ficam com uma visão externa, dos intérpretes, mas também com a visão do autor. Apenas com Ana Carolina isto muda, porque ela é de interferir muito, então o arranjo foi feito a dois. Mas o disco quase todo é só voz e piano. Somente no final, entra um violoncelo".

DELICADEZA

As canções selecionadas para este disco exigem do intérprete a mesma delicadeza que elas transpiram em suas melodias, recheadas de sutilezas harmônicas. Fafá de Belém, cantora de voz potente e interpretações exuberantes, enquadra­se na moldura de Aconteceu Outra Vez, uma das inéditas do álbum. Dolorida como um samba canção de Dolores Duran, soa como se tivesse sido gravado numa boate na Copacabana do anos 50. O próprio Zé Manoel canta na faixa título, recente parceria sua com Vanessa da Mata. Delírio de um Romance a Céu Aberto, no atual cenário caótico da MPB, é um disco transgressor. Vai de encontro à obviedade do diferente. Não se fazem mais músicas como Canção e Silêncio, com uma interpretação contida de Ana Carolina, que costuma dramatizar e improvisar quando canta.

Ayrton Montarroyos, que escapou ileso do The Voice Brasil, é uma das vozes masculinas do álbum. Ele canta Deixa Partir (parceria com Vinicius Sarmento), canção pungente, que lembra Súplica (1940, Otávio Gabus Mendes/José Marcílio/Déo), clássico do cancioneiro de Orlando Silva. O baiano Tiganá Santana é a presença inusitada do songbook. Um dos mais interessantes nomes da nova safra da música brasileira, com experimentações impregnadas de fortes influências de ritmos africanos, ele interpreta seguro, com timbre grave, a suave Valsa da Ilusão.

Arthur Nogueira e Célia completam os nomes que gravaram Zé Manoel. O primeiro, paraense, é também um dos autores incensados da MPB, gravado por Gal Costa e outros medalhões. Nogueira canta e declama em Motivo Nr 2 (parceria com Walter Moreira Santos). Célia interpreta Cada Vez Que Digo Adeus, um elo entre Zé Manoel e Cole Porter, uma espécie de remake de Every Time We Say Goodbye, de Porter. Porém Zé Manoel garante que não foi intencional. Eu não sabia que Cole Porter tinha versos iguais. Talvez até soubesse inconscientemente. Eu fiz uma música que depois descobri que era igualzinha a um chorinho bem conhecido. Deixei até de tocar ela". Cada Vez que Digo Adeus, é parceria de Zé Manoel com Paulo Mello, as semelhanças entre Every Time We Say Goodbye ficam nos versos iniciais.

Devagar, Zé Manoel tece sua teia por São Paulo, revela que está em negociações com um produtor (não diz o nome) de artistas conhecidos e em alguns meses de Pauliceia já fez mais shows do que faria um ano inteiro no Recife. O songbook Delírio de um Romance a Céu Aberto pode torná­lo mais conhecido na cidade, consequentemente País afora: "Espero que sim, mas sempre é uma incógnita, mas pelo menos o disco tem sido muito bem recebido pela crítica, além disto participam dele intérpretes bem conhecidas como Elba, Ná Ozzetti, Fafá de Belém, as expectativas são boas", diz Zé Manoel, que já montou uma banda ­ piano, baixo e bateria ­ para continuar divulgando o álbum Canção e Silêncio

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