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Wanderléa mais uma vez na MPB, sem deixar a Jovem Guarda

Wandeca dedica disco inteiro à música de Sueli Costa

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 25/12/2016 às 0:05
Foto: Divulgação/Jairo Goldflus
Wandeca dedica disco inteiro à música de Sueli Costa - FOTO: Foto: Divulgação/Jairo Goldflus
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Quando o iê iê iê perdeu o status de música da juventude brasileira, no final dos anos 60, Wanderléa, a “Maninha” do Rei Roberto Carlos, partiu para outra, ingressou nas hostes do vale tudo pós-tropicalista, os alternativos da época. Foi isto que a livrou de virar cantora sertaneja, ou brega, destino de muitos ídolos da Jovem Guarda. Seu derradeiro álbum, Pra Ganhar Meu Coração, foi lançado em 1968). Ela só gravaria outro álbum quatro anos depois, Maravilhosa, com o que havia de mais moderno na MPB de então. Cantando de Hyldon (Deixa), a Jorge Mautner (Quero Ser Locomotiva)a e Gilberto Gil (Back in Bahia), e um Rossini Pinto (um dos autores mais profícuos do iê iê iê), dramático com Mata-me Depressa. Seus discos dos anos 70 (relançados em CD pela Discobertas) poderiam ser enquadrados como psicodelia, nesta classificação genérica que se faz da música pop brasileira daquela década.

 Aos 70 anos (completados em 5 de junho), Wanderléa termina 2016 com um musical, 60! Década de arromba – Doc.musical, e mais um álbum, Vida de Artista - Canções de Sueli Costa (Nova Estação/Vanguarda Music). A cantora revive os anos ditos dourados da Jovem Guarda, num espetáculo (de Frederico Reder e Marcos Nauer) em que apenas ela realmente foi ídolo do iê iê iê. No álbum, interpreta composições de uma autora que gravou pela primeira vez em 1975, no elogiado álbum Feito Gente: “Estou fazendo duas fase da minha vida, uma jovem guarda e uma pós jovem guarda. Tudo junto e momentos completamente diferentes. Duas épocas que me representam tão bem”, comenta Wanderléa, em entrevista por telefone, de São Paulo, onde mora. Coincidemente, com o espetáculo sobre a jovem guarda, ela volta ao palco em que apresentou a temporada do álbum Feito Gente. Teatro Teresa Raquel em 1975, Theatro Net Rio, hoje.

Há 41 anos, Wanderléa gravou duas composições de Suely Costa, Lua e Poeira e Solidão: “Fui uma das primeiras cantoras a gravar composições dela. Estava vivendo um momento muito difícil da minha vida. Meu marido, Zé Renato, filho de Chacrinha, tinha sofrido um acidente. As músicas eram um momento forte do trabalho. Gravei e foi um sucesso absoluto, ficou registrado naquele disco. Recentemente, fui convidada para fazer um show em BH, no projeto Compositoras.BR, cantando Sueli Costa, que completava 70 anos. Achei maravilhoso, revisitar o repertório dela. Suely tem um acervo maravilhoso, acho que é um das maiores autoras brasileiras”, comenta.

PROCESSO RÁPIDO


Instigada pelo trabalho feito no projeto mineiro, ela conta que foi convidada pela Eldorado para registrá-lo em disco. Com Thiago Marques Luiz dividindo a produção com Lala Califórnia, marido da cantora, o disco foi gravado parte no estúdio que Wanderléa tem em casa, e parte no MDS, também em São Paulo”. Foi um processo rápido, durou três meses. Entraram dez faixas no álbum, mas Wanderléa revela que foram gravadas músicas suficientes para outro disco.

A capa do CD é ilustrada com uma foto de Wanderléa, aos 12 anos, engalanada, sobraçando uma Corbélia de rosas, e portando uma faixa de Rainha da Voz 1958. O retrato da artista tem a ver com Vida de Artista, título do disco e canção de Suely Costa: “Vida de Artista é uma letra que me toca muito. É a minha vida, desde criança que eu canto. A capa representa bem o inicio da minha carreira. Não conheço outra vida. Quando veio a Jovem Guarda, as pessoas achavam que estava começando, porém eu tinha já gravado vários sucessos”, diz a cantora, cujo primeiro álbum, que tem seu nome por título, é de 1963 (a Jovem Guarda aconteceria dois anos depois).

Mas por que logo a efusiva Wanderléa, ainda mais lembrada pela Jovem Guarda, apesar de quase 50 anos terem se passado desde o fim da programa da TV Record? As interpretações das canções de Sueli Costa geralmente são carregadas, expressionistas, grosso modo, uma sofrência de bom gosto. Wanderléa quis fazer ao seu jeito: “Na verdade gosto de gravar com emoção, no dia em que não estou bem bem, não gravo. A ideia foi fazer a Suely Costa de uma maneira mais elegante, mais leve, porque normalmente as interpretes fazem de uma maneira mais visceral. Foi difícil escolher o repertório porque ela tantas coisa boas. Na hora de gravar, fizemos quase tudo ao vivo. Foi Thiago Marques Luis que escolheu este repertório. Não queria fazer Poeira solidão, que estava no outro disco, porém gostei mais desta gravação do que da anterior.

Mas disco e musical não são as únicas ocupações de Wanderléa. Ela trabalha em sua biografia, com um jornalista contratado pela Editora Record. Estão em fase de finalização: “Tenho muita coisa escrita desde a infância. A pessoa que está trabalhando como é Renato Vieira, ele está descobrindo coisas de que eu não lembrava mais”. Ligada ao espetáculo sobre a Jovem Guarda, ela diz que vai acertar a agenda para começar a turnê de Vida de Artista: “Pretendo viajar pelo Brasil com o show do disco, fazer em teatros, apresentações mais intimistas”. 

SUELI COSTA

Sueli Costa, carioca, criada em Juiz de Fora (MG), apareceu na imprensa com Encouraçado (parceria com Tite Lemos), terceira colocada no Festival Internacional da Canção, em 1969, e incorporada ao repertório de Maria Bethânia em 1974. Em 1970, compôs para o bem sucedido musical Alice no País Divino Maravilhoso, do qual o parceiro, o jornalista Tite Lemos foi um dos autores do roteiro. Mas ela compunha desde 1961, e só se aproximou do meio musical em 1967, enviando, sem muito boa acolhida, músicas para cantores e gravadoras. Discreta, Sueli Costa saiu dos bastidores, estreando em disco em 1975. Mas suas canções fizeram sucesso com terceiros. Considerada umas pioneiras na composição de temática feminina, ela tem homens como letristas de suas composições mais conhecidas, Abel Silva, Cacaso, Vitor Martins e Aldir Blanc, entre outros.

Fornecedora de músicas para alguns dos principais nomes da MPB, sobretudo nos anos 70 e 80, Sueli Costa não é compositora do mainstream, sua música tem letras intensas, melodias bonitas, mas que fogem ao lugar comum. Ela é compositora difícil de se encaixar em categorias. É MPB porque foram gravadas por intérpretes deste nicho, mas tem influências de rock, de blues, jazz, e bossa. Simone, Maria Bethânia e Elis Regina foram suas principais intérpretes, embora seu maior sucesso tenha sido na voz de Fagner, Jura Secreta (1978). Não é a primeira vez que uma intérprete dedica um álbum inteiro à sua obra. Em 2002, Lucinha Lins gravou Canção Brasileira - Lucinha Lins Canta Sueli Costa. 

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