Biografia

Zózimo Barrozo do Amaral, o cronista do país da gentileza perdida

Colunista ganha biografia de Joaquim Ferreira dos Santos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 07/01/2017 às 10:01
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Colunista ganha biografia de Joaquim Ferreira dos Santos - FOTO: foto: divulgação
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“Há uns tais diários sociais, vidas sociais. Em alguns tomam-se colunas, às vezes páginas. Aqui nesta gazeta ocupam quase sempre duas e três. Mas isso é querer empregar espaço. Tipos ricos, pobres, néscios e sábios, julgam que suas festas íntimas ou os seus lutos têm um grande interesse para todo mundo. Sei bem o que é que se visa com isso: agradar, captar o níquel, com esse meio infalível: o nome no jornal”, comentário publicado na Gazeta da Tarde, do Rio, pelo escritor e jornalista Lima Barreto, crítico contumaz das notícias amenas das colunas sociais. Lima Barreto escreveu esta curta diatribe trinta anos do nascimento de Zózimo Bráulio Barroso do Amaral, que teceria comentários igualmente cáusticos contra políticos e socialites, porém como colunista social, no Globo e no Jornal do Brasil.

 Joaquim Ferreira dos Santos, que escreveu biografias de Leila Diniz e Antônio Maria, acrescentou mais um biografado ao currículo, o colunista social Zózimo Barroso do Amaral, que faleceu em 1997, e por mais de 30 anos foi um dos jornalistas mais influentes do País, estendendo as fronteiras do colunismo social bem além do mundanismo e frivolidades de milionários e donos do poder. 

 Claro que dava notas sobre reuniões de grã-finos, encontros e separações, mas entremeava a coluna com amenidades bem-humoradas. Alfinetadas apimentadas, como esta: “Lidar com PM é um perigo. Estão hoje, em sua grande maioria, mais do lado de lá do que do lado de cá. Ou podia ser confessional: “Pinçado da obra de Samuel Beckett – O único esporte que tenho praticado é seguir enterro a pé”, esta nota, de 1993, foi escrita na volta ao Brasil, depois de morar algum tempo em Miami.

 Zózimo Bráulio Barroso do Amaral nasceu fadado às colunas sociais, ou como protagonista ou como titular de uma delas. A família, cujo patriarca tinha origem no Ceará, era abastada. O pai, também Zózimo, porém conhecido como Boy, foi playboy célebre no Rio e autor de algumas presepadas famosas. 

 O playboy e milionário paquistanês Ali Khan, ex-de Rita Hayworth, estava no Vogue, em Copacabana, uma das referências chiques cariocas nos anos 50, onde também se encontrava Boy. Ao ver Ali Khan se dirigir ao banheiro, ele pediu emprestado o revólver de Paulo Andrade Lima, assessor do então ministro da Justiça Negrão de Lima, e também se dirigiu ao banheiro. Ali Khan estava em um sanitário, portas fechadas. Boy sapecou um tiro no teto. Ali Kahn saiu do banheiro às carreiras, com as calças nas mãos, só parou na calçada do Vogue.

 No dia seguinte um jornal do Rio estampava a manchete: “Tentaram Matar Ali Khan”. O colunista social Ibrahim Sued deu a notícia, não como atentado, mas como mais um feito de Boy que, além de histórias, deixou preceitos até hoje citados, sem que lhes sejam dados o devido crédito: “Bebida só em bar, jogo só em clube e festa só na casa dos outros.

 ANTECESSORES

Somente 24 anos depois da morte de Lima Barreto (falecido em 1922) foi que o colunismo social deixou de se importar apenas com festas íntimas ou efemérides dos ricos. Em 1946, Maneco Müller, assim como Zózimo, bem nascido, assumiu a coluna social do Diário Carioca com o pseudônimo de Jacinto de Thormes, personagem de Eça de Queiroz: “Quando o editor Prudente de Moraes Neto convidou-o para ser colunista social do jornal mais avançado do Rio, Maneco reagiu de um modo descontraidamente carioca: “Mas Prudentinho, isso é coisa de veado”.

 Escanteando o preconceito, Maneco Müller foi o homem certo no lugar certo. Seu texto era leve, temperado com ironias finas e seu acesso ao grand monde não era problema. Müller, assim como Zózimo, pertencia àquele universo. Ibrahim Sued, não. Mas se instalou nele até o final da vida. Não foi dotado de finesse, mas tinha estilo e carisma. Quando não funcionavam, empregava a truculência. Foi de bater e levar, e até de atirar.

 Em 1963, o jovem Zózimo era um colunável. Voltara de uma temporada em Paris, não sabia que rumo tomar na vida. Não tinha o mesmo talento do pai para ganhar dinheiro. Sabedor disso, Boy recorreu ao amigo Ricardo Marinho, irmão de Roberto Marinho. Pediu um emprego para o filho, que se tornou repórter da editoria de Cidades. Ibrahim Sued, já o maior nome do colunismo social, havia trocado O Globo pelo Diário de Notícias e em seu lugar entrou o intelectual e advogado Álvaro Americano, que se assinava como Carlos Swann (tomado de empréstimo de Proust). Zózimo seria seu assistente. Assumiria a coluna sob o nome Swann, e trocaria O Globo pelo Jornal do Brasil.

 O doutor Roberto Marinho tentou demovê-lo da ideia de deixar o seu jornal: “Meu filho você vai fazer a maior besteira da sua vida. Todo mundo sabe quem é Swann, mas ninguém sabe quem é Zózimo. E o colunista: “Dr.Roberto, o senhor está na verdade dando um argumento a meu favor. Carlos Swann é o senhor, o pseudônimo é seu, a coluna é sua. Está na hora de as pessoas saberem quem é Zózimo Barrozo do Amaral.

 Assim como Maneco Müller foi o colunista certo no jornal certo, Zózimo não poderia estar em outro lugar. Renovador da imprensa brasileira, o JB abrigava os melhores textos do país, pagava os melhores salários, com o espírito de liberdade e linguagem arrojada, conforme ressalta Joaquim Ferreira dos Santos. Liberdade e linguagem arrojada para o doutor Nascimento Brito, dono do jornal, ou para o editor Alberto Dines.

 Os militares que mandavam no País nem apreciavam liberdade nem linguagem arrojada. O general Costa e Silva, com o igualmente general Alfredo Stroessner, ditador do Paraguai, encontraram-se em Foz do Iguaçu (PR). O encontro foi no dia 1º de abril, com muita gente e empurra-empurra. Zózimo quis dar uma alfinetada no regime, no dia do aniversário do golpe militar. Uma nota longa, para as dimensões da coluna. Um dos trechos mais contundentes: “Pois até o general Lyra Tavares, Ministro do Exército, foi de uma feita empurrado pelos atuantes cotovelos dos policiais, e se não é amparado pelas pessoas que se encontravam ao seu redor teria caído”.

 Insinuar a queda de um general, mesmo que metafórica, era arrojo demais para a ditadura militar. No dia seguinte, o colunista foi intimado a comparecer ao Ministério do Exército, no Centro do Rio. Foi sua primeira prisão. A libertação aconteceu uma semana mais tarde. Voltaria a ser preso em 1972, pela nota: “O Coronel Osmany Pilar é um dos maiores fãs do musical Leila Diniz, em cartaz no Salão Viena. Na semana que passou apareceu para assistir três vezes”. Foi “apenas” uma noite na prisão do Exército. Talvez porque a fonte da notinha fora o próprio coronel.

 Mas o medo de novas investidas verde oliva incitou a paranoia entre os auxiliares de Zózimo, a ponto de sua secretária, Marly, temer citar o frango à Kiev no cardápio de um jantar da socialite Lourdes Catão. Kiev (na Ucrânia) era então uma das maiores cidades da URSS.

 Tendo o biografado como leitmotiv do texto, Joaquim Ferreira dos Santos traça as mudanças ocorridas no País entre a entrada de Zózimo Barroso do Amaral na imprensa, da alta burguesia com origem nas fazenda de café, aos socialites surgidos na especulação imobiliária (onde Ibrahim Sued ganhou muito dinheiro). Da requintada Garota de Ipanema, de 1962, à Boquinha da Garrafa de 1995, do tráfico de influência para influência do tráfico.

 Nos últimos anos, Zózimo Barroso do Amaral retornou a O Globo (com salário de 15 mil dólares mensais, que provocou ciumeira dos demais colunistas do jornal). A família sofreu ameaças de bandidos, o que levou-o a morar em Miami, onde a segunda mulher possuía casa (ele tinha um apartamento em Paris). O alcoolismo e os quatro maços de cigarros que fumava por dia certamente contribuíram para o câncer de pulmão, que o matou aos 56 anos, em Miami.

Uma morte emblemática. Não morria apenas um colunista social de texto refinado, cronista do País da gentileza perdida, lembrado por ele num comentário de 1995: “Era um Brasil amável, cordial e razoavelmente correto, gigante pela própria natureza, que os cidadãos nascidos com menos de cinqüenta anos jamais suspeitarão que existiu”.

 

 

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