A Revolução Pernambucana de 1817 tem personagens fascinantes, mas pouco conhecidos da maioria da população. Gervásio Pires, Padre Roma e Cruz Cabugá são mais do que nomes de ruas, por exemplo. Conheça abaixo um pouco sobre figuras como Padre João Ribeiro, Domingos José Martins e muitos outros.
PERSONAGENS
Domingos José Martins
Durante a Revolução de 1817, era possível ver uma cena singular no Recife: um dos grandes líderes do movimento, Domingos, andava de braços dados com negros e mulatos, concordando quando ouvia que eram todos iguais. Não era pouca ousadia em meio a um estado ainda escravista e patrimonialista. Aliás, a ousadia era uma marca de Domingos, conhecido por discursos energéticos e sua liderança natural. Ligado à maçonaria inglesa, era um entusiasta dos ideais liberais e talvez o mais radical dos homens da Revolução de 1817. Quando foi preso, seus colegas chegaram a simplesmente dizer que a liberdade tinha se acabado. O viajante francês Tollenare, conservador, não gostava muito de Domingos: “Hoje não se dá trabalho algum em justificar a revolução; mas, desenvolve uma grande atividade para fazê-la progredir”. Ainda assim, reconhecia sua bravura: afirma que ele mostrara “grande firmeza de ânimo e caráter” ao ser preso no dia 6 de março e “sangue-frio” e “energia” quando solto pelos revolucionários.
Padre João Ribeiro
O historiador Amaro Quintas definiu bem os líderes da Revolução de 1817: “A rebelião nasceu da atividade patriótica de Domingos José Martins aliada à inteligência do Seminário representada sobretudo no padre João Ribeiro”. Se Domingos era um homem de discursos e da energia, o padre era o norte teórico do movimento. Tinha uma formação humanista: era professor de desenho e canto e estudava botânica e filosofia. “Ele só respirava pela liberdade, e isto mais por amor a ela do que por ambição”, descreveu o francês Tollenare, admirador do religioso. Para a escritora e pesquisadora Maria Cristina Cavalvanti, ele é o mais fascinante dos personagens da revolução. “Um padre doce, carismático, estudioso do iluminismo (...) A morte dele foi o ato político mais comovente. Ele não se entregou: se pendurou na lâmpada da capela e se enforcou”, conta a autora de Olhos Negros. Mesmo morto, recebeu uma punição severa: João Ribeiro foi desenterrado, esquartejado e teve sua cabeça exposta na Praça do Comércio de então.
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José de Barros Lima, o Leão Coroado
Os revolucionários planejavam revoltar-se só no período da Páscoa. Foi a reação do capitão José de Barros Lima à voz de prisão do comandante Barbosa de Castro, matando o superior com golpes de espada, que antecipou os planos. Segundo Maria Cristina Cavalcanti, o apelido vinha de seus cabelos brancos em cachos, que o faziam parecer um leão. Ironicamente, foi um Leão Coroado – que teve o corpo arrastado em praça pública – se tornou um dos símbolos da nossa República.
José Luiz de Mendonça
Autor de um dos principais documentos da Revolução de 1817, o Preciso, José Luiz de Mendonça foi uma espécie de jurista oficial do governo revolucionário. Tollenare o descreve como um homem rico e inteligente, com uma reputação de ser alguém honesto e com prestígio nas classes abastadas. Era um crítico da administração portuguesa, mas também um moderado. Conta-se que brigou com Domingos José Martins porque queria, antes de tudo, propor apenas que a Coroa baixasse os impostos. Ainda assim, foi um revolucionário fundamental, responsável por criar a constituição do governo provisório – e chegou prever uma data de dissolução do governo, caso a constituição definitiva não evoluísse. José Luiz de Mendonça era também fiel: ao contrário de outros abastados, não renegou a revolução quando ela começou a fracassar. Diz Tollenare : “O sr. José Luís de Mendonça teve a ingenuidade de ficar na cidade e de se apresentar ao almirante, que o mandou prender”.
Cruz Cabugá
A ida de Cruz Cabugá para os Estados Unidos, com 800 mil dólares de então, para pedir apoio ao governo revolucionário tentar comprar armas e trazer soldados pode ser considerada a primeira missão diplomática da história do Brasil. O “diplomata” de 1817 – único mulato entre os líderes da revolta – levava o sonho de convencer soldados a tentarem libertar também Napoleão e trazê-lo para Pernambuco. No entanto, como a viagem era longa, Cruz Cabugá terminou chegando tarde demais, quando o movimento havia sido desbaratinado. Trazia consigo quatro ex-combatentes franceses, mas todos foram presos ao desembarcar. “Ele também fez muita besteira, ficou até com parte do dinheiro e não falava direito inglês”, conta Maria Cristina Cavalcanti.
Padre Roma
De formação erudita, era uma figura singular: era um religioso com cinco filhos – um deles se tornaria o general Abreu e Lima, que lutou na libertação de países da América espanhola –, um vasto conhecimento jurídico e uma coragem quase desmedida. “Era meio suicida”, aponta Maria Cristina Cavalcanti. Sua capacidade de envolver os outros era tamanha que os revolucionários confiaram a ele sozinho a missão de atiçar a revolta na Bahia. Padre Roma não hesitou: partiu em uma jangada com o contato de Cipriano Barata. O governador baiano, o Conde dos Arcos, era, segundo Maria Cristina, “o homem mais violento de então”. Foi preso logo ao chegar, mas não entregou o companheiro baiano. Dizem que a população comemorava a prisão com um cântico: “Bahia é cidade/ Pernambuco é grota/ Viva conde d’Arcos,/ Morra patriota!”.
Gervásio Pires
Convidado para assumir as contas do governo republicano de Pernambuco, Gervásio Pires não era apenas bom com números: era um dos maiores comerciantes do Brasil. Maria Cristina Cavalcanti diz que ele era “horrivelmente míope” e que sofria de imensas enxaquexas, além de sofrer com eventuais isquemias cerebrais, que o faziam passar longos períodos sem articular bem a fala. Apesar disso, era um brilhante homem de cálculos e um grande estadista. Foi ao socorro dos revolucionários para ajudar na contabilidade. Quando a Revolução caiu, foi preso. “As prisões na cidade são numerosas; a mais notável foi a do sr. Gervásio Pires Ferreira, o negociante mais rico da cidade; quase que nenhuma parte tomou na revolução, e isto causa inquietação àqueles que o temor fez menos inocentes.”, narra Tollenare. Depois de ser preso por mais de três anos, volta a ter um papel importante: em 1821, passa a comandar Pernambuco, tentando mediar os interesses da Coroa com os da junta de governo da província.
Antônio Carlos de Andrada e Silva
Homem erudito, Antônio Carlos de Andrada e Silva foi uma figura proeminente não só na Revolução de 1817, mas na política da colônia e, posteriormente, do império. Formado em Direito em Coimbra, era ouvidor de Olinda quando eclodiu o movimento separatista. O francês Tollenare admirava bastante o jurista: “Eis um personagem que alia a um espírito vasto, uma concepção viva, uma dialética sutil e persuasiva, um caráter firme e uma vontade determinada. Se o sr. Antônio Carlos fosse militar seria homem a assenhorear-se de todos os poderes da República”. Em uma nota de rodapé posterior, Tollenare diz que exagerou nos elogios ao advogado e diz laconicamente: “Jaz atualmente nos cárceres da Bahia”. Ainda assim, Antônio Carlos teria uma carreira política importante: em 1821, participaria da constituinte em Lisboa, recusando-se a reconhecer o Brasil como colônia. Chegou a ser ministro e senador antes de morrer, em 1845.
Vigário Tenório
Foi um dos membros do conselho de estado formado pela Revolução. “Vigário da ilha de Itamaracá, e a quem o sr. Koster faz grande elogio nas suas viagens. Este homem tem o espírito vivaz, facilidade de expressão, e propõe providências no mesmo instante em que se manifesta a necessidade de tomá-las. Apenas vê ou lê, e logo forma e enuncia o seu juízo. Será precioso ao governo”, vaticina Tollenare. O viajante chegou a ver a execução do padre , que estava “vestido de uma alva e de uma camalha brancas, pálido e desfeito, mal podia andar para o lugar do suplício”. O vigário foi enforcado e decepado, teve as mãos cortadas e o corpo arrastado pelas ruas da cidade. Tollenare confessa ainda, emocionado, que viu os próprios carrascos derramarem lágrimas.
Caetano Pinto de Miranda Montenegro
Era o governador da província quando 1817 eclodiu. Era criticado por não ser um bom gestor, mas era tolerante e não abusava das violência. O viajante inglês Henry Koster o descreveu assim: “É afável; ouve com a mesma atenção as queixas do pobre camponês e do rico proprietário” e ainda diz que ele parecia "um estadista inglês". Foi quando houve o aumento de impostos que a população se voltou contra ele. Quando soube da revolta, Caetano se escondeu. “À primeira descarga de mosquetaria tomou as suas disposições para fugir; com efeito, evadiu-se por uma rua afastada, protegido por parte da guarda de palácio; atravessou rapidamente a ponte e o bairro do Recife, sem dar uma ordem, e foi lançar-se na Fortaleza do Brum”, conta Tollenare.
Luís do Rego Barreto
Enviado para combater a Revolução de 1817, Luís do Rego Barreto teve uma participação sanguinária. Comandava uma tropa de 8 mil homens, ajudada por uma força naval que veio do Rio de Janeiro. Enfrentou uma batalha em Ipojuca, mas, quando chegou ao Recife, encontrou a cidade abandonada. “Luís do Rego viera implantar o terror e humilhar os pernambucanos pela ousadia da revolução republicana”, define Maria Cristina Cavalcanti. Junto com o Conde dos Arcos, que comandava a Bahia, puniu com severidade e crueldade os revolucionários. No dia 31 de maio, disse: “Como as leis não são feitas para emendar as culpas, ou crimes já perpetrados, mas sim para evitar a repetição destes crimes, segue-se que não há motivo para a continuação dos castigos, salvo a respeito dos chefes de rebelião, que ainda existem.” Virou governador-geral de Pernambuco, onde fez algumas obras públicas, mas ficou marcado pelas arbitrariedades que cometeu antes.
Confira abaixo um rápido histórico em desenho do episódio: