Centenário

Cambinda Brasileira comemora 100 anos com festa histórica

Evento reuniu nações de maracatu de baque solto de Pernambuco

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 16/01/2018 às 11:00
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O terreiro mágico da Cambinda do Cumbe ficou pequeno. Pequeno para o simbolismo de sua existência centenária; pequeno para a emoção em estado puro de seus folgazões; pequeno para o alumbramento de seus caboclos de lança; pequeno para tanta gente que pisou lá na comemoração dos seus 100 anos. Uma festa para não esquecer. Espetáculo do baque solto, da cultura popular, de gente que faz do maracatu rural uma experiência de permanência e renovação. Comemorado no último fim de semana, no Engenho Cumbe, em Nazaré da Mata, o centenário do Cambinda Brasileira aconteceu no meio do mesmo canavial de onde um dia brotaram as nações de baque solto de Pernambuco.

A festa começou na manhã do último sábado (13) e só terminou no domingo, com as estrelas apontando no céu. No primeiro dia, os maracatus convidados Estrela Brilhante, Águia Dourada e Leão Formoso (todos de Nazaré da Mata) se apresentaram no terreiro, com seus mestres improvisando loas sobre Cambinda e seu centenário. O Coco Mano de Baé, de Tracunhaém, fez o Cumbe levantar poeira. Depois foi a vez do anfitrião pisar no barro vermelho, que eles chamam carinhosamente de “terreiro mágico”. Vieram em cortejo pelas sinuosas estradas de cana-de-açúcar até chegar no engenho. Caminhada ritmada pelos chocalhos dos homens-caboclos e pelos versos do mestre Anderson Miguel. Naquele momento foi impossível ficar indiferente à emoção dos que dedicam a vida ao brinquedo.

Madrinha espiritual e “mãe” devotada de todos no maracatu, Dona Biu chorou. Chorou o peso dos 100 anos; chorou a ausência do filho caboclo Gino; chorou a falta do irmão Zé de Carro, que sonhou com a festa e não estava lá em vida para comemorar. Ex-presidente e mestre caboclo do Cambinda Brasileira durante 20 anos, Zé de Carro morreu em agosto de 2015, deixando o maracatu nas mãos do jovem presidente Elex Miguel (conhecido como Léo), 35 anos. Nas suas loas, mestre Anderson homenageou quem fez história no folguedo. Lembrou de João Padre e Dona Joaninha, donos do Cambinda por 50 anos e os caboclos Zé de Carro, Zé de Rosa e Gino.

FUNDARPE

A festa também teve saia justa. Na mesa formada por autoridades, a vereadora Maristela do Gás (PHS) lembrou a falta de apoio do governo de Pernambuco ao centenário. “Na sexta-feira, de última hora, a Fundarpe informou que não poderia contribuir com a festa, depois de várias reuniões com a diretoria do maracatu. Um centenário não acontece todo dia”, pontuou. A Fundarpe também foi cobrada pelas muitas tentativas sem sucesso do Cambinda se tornar Patrimônio Vivo de Pernambuco. Restou à representante da Fundação, Jacira França, dizer que o maracatu não tem o título, mas é patrimônio vivo do Estado. Presente na festa, o prefeito Nino contribuiu com infraestrutura e transporte.

Às 2h da madrugada do domingo, o Cambinda voltou a se apresentar no terreiro. Dessa vez, como se estivessem numa sambada, despidos das fantasias. Uma multidão acompanhou o maracatu para “bater pau”. Com pedaços de madeira improvisando uma lança, todo mundo virou folgazão e participou da manobra do maracatu. Tudo orquestrado pelo mestre caboclo Nando (chefe da caboclaria), que conduziu a multidão e encruzou o terreiro (desenhando com a dança a estrela do Sino-Salomão para proteger o lugar dos males). Foi mais um momento emocionante da festa. A nação Cambinda fazendo história junto com quem quis estar lá. Tradição, arte, crença e o fascínio da festa. O caboclo Preto Benvindo, que guarda os segredos do falecido caboclo Zé de Rosa, parecia estar em transe. Uma mistura de êxtase físico e religioso. Os filhos de João Padre e atuais donos do maracatu – Antônio, João e José Estevão – acompanharam a festa das primeiras horas do sábado até os últimos folgazões deixarem o terreiro no domingo.

CORTE DO BOLO

A “sambada centenária” foi seguida pelo corte do bolo gigante. A cobertura remetia à bandeira do maracatu ornamentada com peixes cambinda, que deram nome ao brinquedo, e uma cabeleira amarela lembrava os caboclos de lança. O mestre Anderson fez uma loa para puxar o parabéns. Integrantes do maracatu e convidados se juntaram ao redor da mesa para entoar o parabéns histórico, centenário. Se o Cambinda completar mais 100 anos, ninguém que estava ali vai ver se repetir. Momento único. Zefinha, uma das filhas de João Padre, não segurou as lágrimas e contagiou o terreiro com sua emoção.

Herói do centenário junto com sua nação, Elex Miguel, lembrou os desafios de realizar a festa. “Quem está hoje nesse terreiro está fazendo história junto com o Cambinda”, disse, sem disfarçar a emoção. A primeira fatia do bolo foi cortada a várias mãos. Depois do bolo, mestres de maracatu de todo o Estado participaram da sambada secular no Cumbe. Barachinha, Antônio Paulo Sobrinho, João Paulo, Ionaldo, Sibía, José Joaquim, Ionaldo, Emerson, Bi, Gabriel, Ivan Eduardo, Luís Marcolino, Ruck, Dedé Vieira e outros estavam lá para homenagear Cambinda. A festa só acabou com o sol surgindo no horizonte.

No domingo, a Ciranda Flor de Lírio colocou todo mundo pra dançar. O encerramento das atrações ficou por conta dos Ticuqueiros, que no pedido de bis desceu do palco para tocar frevo no meio do povo. Mestre Anderson continuou a comemoração improvisando versos de despedida. Depois deixou o microfone de lado para fazer as vezes de mestre caboclo e manobrar o maracatu no terreiro para encerrar a festa. A Dama do Paço, Dona Lourdinha, ainda brincava com o mesmo entusiasmo do primeiro dia. Coisa de folgazão que sabe o significado de um centenário, de uma festa que não vai passar. Que venham mais 100 anos!

Leia especial sobre o centenário do Cambinda Brasileira

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Cambinda Brasileira desfilou primeiro fantasiado - Heudes Regis/JC imagem
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Cambinda Brasileira desfilou primeiro fantasiado - Heudes Regis/JC imagem
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Músicos do terno do Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Ciara comandando o baiana do Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Nando, mestre caboclo do Cambinda, manobrou o maracatu - Heudes Regis/JC imagem
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Dona Sebastiana, a baiana mais antiga do Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Caboclo Preto Benvindo na sambada - Heudes Regis/JC imagem
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Nova geração do maracatu presente na festa centenária - Heudes Regis/JC imagem
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Muita gente foi prestigiar o centenário do Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Filha de João Padre, Dona Zefinha, não segurou as lágrimas no corte do bolo - Heudes Regis/JC imagem
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Madrinha do maracatu, Dona Biu se emocionou muitas vezes durante a festa - Heudes Regis/JC imagem
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Cantora Renata Rosa marcou presença na festa - Heudes Regis/JC imagem
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Primeira fatia do bolo foi cortada pela família Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Os Ticuqueiros animaram a festa no terreiro - Heudes Regis/JC imagem
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Os Ticuqueiros foram a última atração a se apresentar no palco - Heudes Regis/JC imagem
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Alegria contagiosa do diretoria e dos folgazões do Cambinda - Heudes Regis/JC imagem
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Ninguém ficou parado na festa centenária - Heudes Regis/JC imagem
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Caboclo Pepe não disfarçou a alegria de fazer história no centenário - Heudes Regis/JC imagem
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Terreiro mágico do maracatu ficou pequeno pra tanta gente - Heudes Regis/JC imagem
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Festa abrigou convidados de vários municípios do Estado e de fora de Pernambuco - Heudes Regis/JC imagem

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