Parada em meio aos escombros do térreo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que ainda cheira a queimado, a paleontologista Luciana Carvalho relembra as relíquias históricas que há cinco meses "foram embora" com o fogo.
Uma rica coleção de insetos, restos fósseis de dinossauros e documentos que contavam a história desta instituição bicentenária, um antigo palácio imperial transformado no maior museu de história natural e antropológico da América Latina: o que as chamas não consumiram se despedaçou com o desabamento da estrutura interna do edifício de três andares e depois foi desfeito pela água.
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"Tivemos fogo, desabamento e água. Três situações que causam dano ao material. O material daqui está muito fragmentado. Tudo que encontramos estava quebrado", ilustra Luciana Carvalho, cuja vida se transformou radicalmente após o dia 2 de setembro, quando o Museu Nacional e suas 20 milhões de peças queimaram, em uma devastação que comoveu a comunidade científica internacional.
"Dedicava meu tempo à pesquisa, a orientar alunos, a dar aulas. Há cinco meses, o que faço basicamente é retirar material daqui de dentro, de segunda a sábado", afirma, vestida com uma túnica azul e um capacete de segurança para poder circular pelo local.
Como ela, dezenas de professores, antropólogos, arqueólogos e paleontologistas se dedicam agora a remexer entre montanhas de pedras, estruturas metálicas retorcidas e paredes carbonizadas do edifício, que recebia 150.000 visitantes por ano e era um importante centro de pesquisa e estudo integrado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O processo de recuperação de peças, extremamente lento pelo estado de fragilidade de muitas delas, deve se prolongar ao longo de 2019.
Quando identificam uma peça relevante, desenvolvem uma estratégia para retirá-la sem causar danos e a trasladam a uma sala de classificação, para seu registro e posterior depósito.
Até o momento coletaram e registraram 2.000 elementos - que podem corresponder a peças completas ou a fragmentos de um mesmo item, explicou o diretor do Museu, Alexander Kellner, cujas expectativas foram superadas.
"Devido ao sucesso [das buscas], temos um problema agradável. Preciso de muito mais contêineres do que tenho, não há mais espaço" para armazenar as peças encontradas, afirmou.
"Ainda é difícil estabelecer" quantas peças poderão ser resgatadas ao final do processo, mas há uma "quantidade significativa de peças (...) em condições de ser recuperadas", afirmou nesta terça-feira a arqueóloga Claudia Carvalho, coordenadora das tarefas de resgate, durante uma visita aberta à imprensa.
"Sabemos que algumas coleções foram praticamente perdidas, como a de Entomologia [uma das coleções de insetos mais ricas da América Latina, com cinco milhões de exemplares]; outras, principalmente de materiais resistentes como cerâmica, metal e pedra, permanecem. Ainda precisamos medir isso", acrescentou a arqueóloga.
Relíquias recuperadas
Quando haviam as condições mínimas de segurança para entrar naqueles escombros, os pesquisadores foram direto à sala onde estava a joia do museu: Luzia, um fóssil humano de 12.000 anos, o mais antigo do Brasil, descoberto em 1970 no estado de Minas Gerais por uma missão dirigida pela antropóloga francesa Anette Laming-Emperaire.
Em outubro anunciaram a descoberta de quase todos os fragmentos do crânio e de uma parte do fêmur.
Entre as relíquias recuperadas nos últimos meses se encontram também alguns fragmentos do Maxakalisaurus topai, um dinossauro herbívoro de 13 metros de comprimento cujos restos foram descobertos em Minas Gerais.
Por sua estrutura física, os meteoritos também sobreviveram, incluindo o Bendegó, um maciço de ferro e níquel de cinco toneladas encontrado no estado da Bahia em 1784.
"Os meteoritos são estruturas que vêm do espaço enfrentando temperaturas muito mais altas do que qualquer incêndio aqui pode atingir", explica o paleontologista Sérgio Azevedo.
Situado no hall principal, o meteorito Bendegó era a primeira peça que os visitantes encontravam, e foi colocado no mesmo lugar, imponente, rodeado de andaimes.
"Se tornou uma espécie de símbolo da resistência porque está nessa posição, testemunha todo o trabalho que está sendo feito para que a gente possa trazer de volta o museu", explica Azevedo, que também mudou sua rotina e hoje se dedica quase exclusivamente à reconstrução do Museu.
"Todos desenvolvemos múltiplas funções, como a retirada de escombros, de materiais, tratamento desse material, para que no futuro nós e outros pesquisadores possamos retomar as pesquisas" interrompidas pela tragédia, explica.
Kellner se alegra ao anunciar que o local poderá organizar "em breve" uma mostra com os principais objetos recuperados, graças ao trabalho destes "verdadeiros heróis que estão resgatando a memória de nosso país".
"O Museu Nacional vive", indica um broche em sua camisa, parte de uma campanha para anunciar a reconstrução do Museu e arrecadar fundos.
Mas Azevedo tem consciência de que o incêndio, cujas causas ainda estão sendo investigadas, deixou "perdas incalculáveis".
"A maior perda foi o Museu Nacional, o acervo disponível para a população brasileira e para pesquisadores do mundo inteiro", lamenta.
"Quando se perde uma parte ou se alteram as condições de uma coleção desta importância, se produz uma perda incalculável. O que estamos fazendo é tentar transformar essa perda em um novo objeto de estudo", aponta.