Abstração

Raul Córdula discorre sobre o tempo em exposição na Arte Plural

Artista lança seu olhar apurado para questões do passado, presente e futuro

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 19/03/2019 às 15:32
Bianca Sousa/JC Imagem
Artista lança seu olhar apurado para questões do passado, presente e futuro - FOTO: Bianca Sousa/JC Imagem
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Para Raul Córdula, assim como no mito de Sísifo, o artista está sempre carregando uma pedra (sua arte) montanha acima e, uma vez no topo, precisa recomeçar todo o processo. A obra de arte, no fundo, nunca é finalizada. “Pinto um quadro só minha vida inteira, com aspectos diferentes”, afirma. Em constante diálogo com o tempo – presente, passado e também futuro – o artista plástico retoma temas caros à sua poética na exposição que ocupa a Arte Plural Galeria com vernissage nesta terça-feira (19) para convidados e abertura para o público na quarta-feira (20).

O rompimento de Raul Córdula com as obras figurativas pode ser remontado a 1968, quando teve uma exposição censurada na Paraíba, ao em que foi instaurado o AI-5. Ou, como apontou o jornalista Zuenir Ventura, o “ano que não acabou”. É interessante pensar essa ideia de permanência e continuidade em relação ao Brasil atual, assim como à obra do artista paraibano radicado em Olinda.

Uma das telas presentes nesta nova exposição, por exemplo, é uma revisão de uma obra produzida em 1968. A bandeira nacional aparece com cores quase desbotadas, com rachaduras, e, no centro, uma mão empunha um revólver, que está apontado para o espectador. Ao falar sobre o quadro, o artista brincou dizendo que era quase como uma premonição, uma vez que o debate sobre a violência e a cultura armamentista cresce no Brasil.

A bandeira aparece simbolizada – e desconstruída – em outros dois trabalhos, os quadros Sangria e Bandeira Escorrendo, de 2018. São telas que provocam o olhar sobre o esfacelamento de uma ideia utópica de País, a promessa de um Brasil melhor que parece mais e mais distante.

“Depois que tive a exposição censurada, fui morar no Rio de Janeiro, onde trabalhei como cenógrafo de televisão. Foi um momento em que não produzi arte. Quando retomei, recorrei à geometria porque sabia que não podia mais me expressar figurativamente. Mas, me incomoda quando acham que meus quadros são bonitinhos ou decorativo. Meu uso da geometria nas minhas obras sempre tem uma linguagem simbólica”, explica Córdula.

CAMADAS DE TEMPORALIDADE

Para a curadora Joana D’Arc Lima, a exposição traz várias camadas de temporalidade que falam da nossa existência, sociedade, sobre a história das artes visuais e reflete sobre as questões políticas nas quais estamos imersos.

“Raul é um artista que estava e está antenado e suporta o tempo presente no qual ele vive, de 1968 para cá. Quando ele vai para a abstração, ele vai por questões externas – o simbólico marca um olhar sensível para o mundo, de transformar. Há uma melancolia grande nesta exposição. O filósofo Walter Benjamin nos apontava, no início do século 20, sobre as ruínas da modernidade.

A exposição marca ainda o retorno do artista à pintura, já que não exercia a atividade há seis anos. Ao lado de novas obras, que também transitam entre o desenho, a fotografia e a escultura, estão trabalhos produzidos entre 2009 e 2014.

Em uma das telas mais recentes, intitulada Eternagora, o artista alude mais uma vez à esse tempo que ele tenta capturar na obra e que também entende ser fugidio. Córdula, que completa 60 anos de carreira em 2020, celebra paisagens marcantes de sua vida, como o do Planalto da Borborema, que remete à sua cidade natal, Campina Grande. Ela aparece em dois trabalhos produzidos em um intervalo de quatro anos (o primeiro, uma escultura de acrílico e granito, e o segundo uma pintura de tinta acrílica sobre algodão).

No universo abstrato de Córdula, o tempo é simbolizado ainda por símbolos como a cruz no díptico João Batista e João Evangelista, que geram apontamentos filosóficos ligados à religião. Toca na existência humana, na série de desenhos com nanquim e gauche da série Encéfalos, inspirada em uma ressonância magnética, ou ainda em Rupestre, quadro em que representa a mão do ex-presidente Lula, como se evocasse um passado recente, mas que, diante da conjuntura política, já parece tão remoto.

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