Há algum tempo, em um passeio durante a madrugada, Kildery Iara e Iagor Peres se depararam com a seguinte cena: em uma rua escura, deserta, de repente surgiu um porco. Intrigada, a dupla seguiu o animal por algum tempo, refletindo posteriormente sobre as imagens evocadas pelo bicho. Dessas investigações e trocas surgiu a performance Por Onde Andam Os Porcos, trabalho que cumpre temporada a partir de terça-feira (31), às 19h30, na Galeria Janete Costa.
Segundo Kildery – que dirige o trabalho e é uma das intérpretes-criadoras ao lado de Júnior Foster, Marcela Aragão, Meujael Gonzaga e Natalie Revorêdo – um dos pilares do trabalho é a do “porco capitalista” (metáfora inspirada em A Revolução dos Bichos, de George Orwell).
“Essa imagem é muito disseminada e reforça a ideia de que estamos todos submetidos a essa grande coisa intocável, o sistema, e nos exime das responsabilidades de sustentação dessas desigualdades. Nós fazemos parte das perpetuação dessas injustiças nos plano micro e macro”, explica a artista.
Inicialmente pensado para o teatro, o trabalho adentrou por outros caminhos e transformou-se em uma performance que encontrou morada ideal na Galeria Janete Costa. Com sua arquitetura marcada pelos traços característicos de Oscar Niemeyer, tem curvas, pé direito duplo e cria uma espécie de suspensão temporal devido ao branco que domina toda a sua estrutura.
“A galeria acabou se mostrando um cenário pronto para o que gostaríamos de trabalhar. A suspensão que ela provoca acaba criando um minimundo que nos remeteu a algumas leituras que ajudaram na construção da obra, como 24/7: Capitalismo Tardio e os Fins do Sono (de Jonathan Crary)”, aprofunda.
CORPOS QUE QUESTIONAM
Para tensionar essas questões em seus corpos, os artistas se propuseram desafios e exercícios de improviso. Ainda que com liberdade para executar os movimentos, os intérpretes-criadores seguem protocolos estabelecidos a partir dos quais se desenvolvem os vários momentos da performance.
“Há muita exposição de corpo e risco. Dentro do trabalho a gente está sempre falando de um apagamento, que a princípio chamamos de aniquilação de subjetividades. Partimos das várias questões que nos atravessam nos últimos tempos e como elas chegam até os nossos corpos. Não nos propomos a dar respostas, mas em dividir com o público a responsabilidade por buscá-las. Essa sensação de fim dos tempos que temos é cíclica e o combate a ela só pode vir com o respeito às individualidades, mas sempre a partir do coletivo – e isso está impresso na nossa obra”, reforça.