LANÇAMENTO

Em homenagem póstuma, livro escrito por Fernanda Young aos 17 anos é lançado

Polêmica, a obra já revela uma Fernanda Young destemida e ousada

Valentine Herold
Cadastrado por
Valentine Herold
Publicado em 09/01/2020 às 8:30
Foto: Bob Wolfeson / Divulgação
Polêmica, a obra já revela uma Fernanda Young destemida e ousada - FOTO: Foto: Bob Wolfeson / Divulgação
Leitura:

Trinta anos separavam a jovem Fernanda Maria, estudante de 17 anos prestes a ingressar no curso de letras, da escritora, roteirista consagrada e atriz Fernanda Young quando a mesma se deparou com o manuscrito original de "Posso Pedir Perdão, Só Não Posso Deixar de Pecar", em 2019. A descoberta deste seu primeiro livro, que nunca havia sido lançado, foi revigorante para a artista fluminense e ela decidiu que a história da polêmica adolescente Nina deveria ser publicada ainda naquele ano.

A realidade política do Brasil e o crescimento do conservadorismo que ela tanto criticava demandavam a tamanha ousadia que é esta obra, lançada no fim do ano pela editora LeYa. Não houve tempo da escritora retrabalhar os capítulo do livro. Apenas semanas depois de ter reencontrado sua primeira ficção, Fernanda Young faleceu de parada cardíaca decorrente de uma crise asmática, deixando 4 filhos, marido, irmã, fãs e muitas ideias malucas, inovadoras e sempre críticas.

"Posso Pedir Perdão, Só Não Posso Deixar de Pecar" conta a história de Nina Tiengo, uma jovem que nada tem em comum com a banalidade que assola sua família no cotidiano regrado pelo culto semanal, as refeições com o pastor Ortiz e as inúmeras gestações da sua mãe. Na verdade, não é o livro que retrata a vida de Nina, e sim ela mesma que divide sem censuras com os leitores sua visão de mundo, a descoberta do prazer sexual e o desejo de ser cada vez mais independente. Especificar o tipo de narrador deste livro não é mero detalhe, seria até injusto com a personagem não salientar que é ela quem conta sua história. Há muito de Fernanda nesta protagonista, uma jovem destemida e que busca a liberdade de forma incessante.

Após sua primeira menstruação, tudo muda na forma com a qual Nina enxerga a vida e planeja seu futuro. Ela aceita se casar com o vizinho Rodrigo Mendes, mas com uma condição: conhecer o misterioso sobrinho do pastor Ortiz, que vive recluso na casa paroquial e é alvo dos mais louco boatos. É através de Bastian que Nina é apresentada ao mundo da poesia, da música clássica, dos prazeres etílicos e do corpo masculino. Em paralelo às suas descobertas profanas, e entre idas e vindas da escola para casa, ela divide de maneira sagaz e bem-humorada os delirantes causos da cidade, tornando Posso Pedir Perdão, Só Não Posso Deixar de Pecar um romance louco, de aguçadas críticas sociais e com uma dose certeira de realismo fantástico.

TEMAS POLÊMICOS

Fernanda Young sempre foi avessa à cafonagem e ao retrocesso. Em 1988, com apenas 17 anos, essas características já eram mostradas com uma maturidade de escrita que impressiona. Dentre os temas abordados pela jovem autora, a recusa do mito do amor romântico se sobressai. "Começo a desconfiar de tudo que sei sobre o amor. O que sempre conheci dele foi o que meus pais e o pastor falaram", afirma em determinado momento. "Desconfio da beleza e dos finais felizes convincentes (...) Amor se encontra no sexo, mas no sexo que desconheço e penso em breve conhecer."

Em tempos de intolerância diante da ficcionalidade de um Jesus homossexual – como ocorreu com o filme do grupo de humor Porta dos Fundos recentemente –, uma jovem mulher descobrindo o próprio corpo fazendo analogias à palavra divina também deve chocar alguns. Os trocadilhos entre atingir o auge do prazer como o mento em que se alcança o Espírito Santo ou a possibilidade de um Juízo Final liderado por um Deus hermafrodita revelam mais uma vez a ousadia e a condenação ao moralismo que Fernanda Young manteve e aprimorou em todo seu projeto artístico.

É interessante também poder partilhar do nascimento da Fernanda poetisa, já que na prosa de Posso Pedir Perdão, Só Não Posso Deixar de Pecar Nina se encanta com os poemas de um antigo morador de sua cidade e os reproduz em sua narrativa.
No texto que abre o livro, a editora Eugênia Ribas-Vieira pontua que a autora planejava rever vários trechos do livro. Mas, no prefácio, sua filha Cecília Young dá o melhor dos conselhos: "Aproveite Fernanda Young, aos seus dezessete anos, sendo livre, excêntrica e dizendo o que queria, da maneira mais linda possível. Tenho certeza de que é como ela gostaria que fosse."

Últimas notícias