“Ave maria, a renda é minha paixão, minha maior distração. Quando estou trabalhando esqueço todos os meus aperreios”, contou mestra Odete Maciel, aos risos. Aos 92 anos, celebrados no último dia 1º, ela, que é referência na Renda Renascença em Pernambuco, continua trabalhando diariamente e ávida para transmitir seu conhecimento. Sua trajetória fascinante é contada em um cuidadoso catálogo bilíngue lançado dia 13 de fevereiro, às 16h30, no auditório de eventos da Faculdade Senac.
A renda entrou na vida de Odete quando ela tinha pouco mais de 12 anos. Ela é a única remanescente das oito alunas de Elza Mendes Medeiros, conhecida como mestra Lála, que montou um grupo de rendeiras em Vila Poção por volta de 1936 e 1938. Até então, a técnica trazida a Pernambuco pelas irmãs da congregação francesa Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo era tratada com sigilo quase absoluto.
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Como a obra elucida, o nome da renda veio do período em que foi criada, na Itália, entre os séculos 15 e 16. É considerado um dos tipos mais engenhosos da renda de agulha, de difícil execução. Em outros locais, como na Bahia, tem o nome de renda inglesa, em decorrência do comércio daquele Estado com a Grã-Bretanha. Para Lála – e posteriormente mestra Odete – ainda que árduo, o ofício não deveria ser monopolizado, e sim difundido.
“Quando casei, aos 27 anos, e me mudei para Pesqueira, o prefeito me ofereceu a oportunidade de dar aulas em uma escola. No começo, ninguém trabalhava com a renda na cidade e poucas se interessaram. Então, cheguei e disse: ‘Quem quiser aprender, eu ensino’. A procura foi tanta que em pouco tempo já tinha 40 alunas”, lembra.
Essa disposição de dona Odete e suas contemporâneas para ensinar, assim como o esforço em promover a Renda Renascença, ajudou a transformar a economia da região durante décadas. Ainda hoje, ela é uma referência, ocupa um espaço na Alameda dos Mestres da Fenearte, maior feira de artesanato da América Latina, e não para de trabalhar.
“Hoje a vista está cansada, o que me atrapalha bastante, então tenho feito menos trabalho manual. Foco mais em supervisionar. Já viajei muito para vender minhas rendas e ainda hoje faço isso. Pelo menos uma vez por mês estou em Maceió com os trabalhos” enfatiza. “Com a idade a gente tem que desacelerar um pouquinho, mas estou sempre na ativa, trabalhando geralmente até as 22h, porque não sei ficar parada.”
MEMÓRIA PRESERVADA
Mestra Odete diz se sentir realizada com a publicação do catálogo por valorizar sua trajetória e, especialmente, por salvaguardar o legado da Renda Renascença para as gerações futuras. A obra, que tem incentivo do Funcultura, conta com texto do jornalista Phelipe Rodrigues; fotografias de Andréa Franco e Felipe Cândido, e produção executiva e de moda de Tereza Franco e Ricardo Moreira, respectivamente.
A publicação toca ainda em questões como a estratificação do trabalho, além de reverenciar a primeira designer da Renda Renascença, dona Edite Patriota.
A pesquisa para o catálogo, inclusive, deve dar origem ainda a um documentário assinado por Andréa e Felipe, reforçando a importância de registrar os mestres e as práticas do fazer manual no Estado.