O frevo de bloco, como uma dos três estilos clássicos do gênero surgiu com Evocação de Nelson Ferreira, interpretado pelo coral do Batutas de São José. O maestro, que pairava sobre a música pernambucana desde os anos 20, criou um estilo, que misturava melancolia com nostalgia, mais uma melodia que grudava à primeira a audição, e que anos mais tarde daria origem ao que se convencionou chamar de Bloco Lírico. Edgard Moraes (1904/1974) é parente dos criadores do Bloco da Saudade, que inspirou a volta dos blocos ao carnaval pernambucano, e à reativação de agremiações dos anos 20, como é o caso do Bloco das Flores, homenageado pela prefeitura do Recife no Carnaval 2020.
A obra prima de Edgard Moraes é Valores do Passado, de 1962, em cujos versos desfilam alguns dos mais conhecidos blocos do passado. É exatamente o Bloco das Flores, o primeiro deles citado. Era ele também um dos mais presentes na páginas carnavalescas dos jornais recifenses, com notas feito esta, do Jornal A Província, em janeiro de 1923:
“Foi sequispedal o acerto de marchas ontem do conhecido e querido Bloco das Flores, constituído pelos elementos de mais destaque da nossa elite social, em a residência de seu presidente o distinto folião sr.coronel Pedro Salgado, à Avenida Lima Castro. A orquestra era numerosa e estava um colosso. Só de violões continha 24. O presidente do bloco, encontrava-se radiante e, de vez em quando, fazia refrescar a caldeira do pessoal com um copo de Teutônia, a cerveja hoje procurada pelo nosso público”.
Confirmando que os blocos não eram animados por belas, mas tristes, canções, de andamento lento, uma nota sobre o Bloco das Flores aponta que em seu repertório “foram entoados lindos sambas, canções e marchas, que certamente alcançarão grande sucesso nos próximos folgares de Momo”
Como se deduz pela notinha, os blocos eram compostos de gente da classe média, da remediada à abastada. Foi a maneira encontrada por pessoas deste estrato social de brincar o carnaval na rua, sem se misturar com troças, clubes pedestres, bumbas meu boi, maracatus e até pastoris, já que praticamente todas as manifestações culturais tomavam na parte na folia até os anos 20.
Tanto e assim, que o Batutas da Boa Vista, com sede na Rua José de Alencar, 627, depois na Praça Maciel Pinheiro, tinha o então deputado F.Pessoa de Queiroz (cuja família era proprietária do Jornal do Commercio) como sócio honorário, eleito por aclamação. A grande maioria dos blocos citada por Edgard Moraes tinha sede na Boa Vista, Santo Antonio e São José. Ficava por exemplo, na Rua da Concórdia, 541, a sede do bloco Cartomante, citado na primeira estrofe de Valores do Passado: ““É de cum força, o arrepio de hoje, as endiabrada do Cartomante do Recife vão bulir com seu Salgado das Fulores” (A Província, 1924)
Edgard Moraes deixou de fora muitos blocos também badalados, feito o Rato Cinzento, ou o Apronte a Coisa Que Eu Chego Já, da Várzea, que estreou em 1924 (o antepassado do olindense Segura A Coisa?). Também os blocos olindenses. O Amor Perfeito, por exemplo, segundo o jornal A Província, foi formado em 1923 “entre conceituadas famílias”. “Família” eram quase todos esses blocos. Diferenciavam apenas do andar que ocupavam na pirâmide social. O Apois Fum (corrutela de “pois sim”), era do andar de cima. Naquele mesmo ano de 1923, ofereceu uma festa à imprensa, com a presença da mais fina sociedade recifense “oferecendo uma suculenta ceia regada a Teutonia, e champanha” (Teutônia era uma marca de cerveja).
Já o Se Tem, Bote devia se situar num patamar mais abaixo. “O bloco Se Tem, Bote percorreu as principais rua da cidade sempre acompanhado de grande massa popular” (de A Província). “Grande massa popular” era mais esperado de um Vassourinhas, do que de um bloco familiar.
O VELHO RAUL
Falecido precocemente, em 1937, aos 46 anos, o compositor Raul Moraes, irmão de Edgard Moraes, compunha muito para o Bloco das Flores, mas fazia música para quase tudo que é bloco citado pelo irmão em Valores do Passado. Em 1924, por exemplo, escreveu o tanguinho Se Tem, Bote, para o bloco do mesmo nome, Apachinette, uma marchinha, para o bloco homônimo, e uma marcha rag-time para o clube Dragões de Momo. Prolífico “o velho Raul Moraes”, como é citado em Evocação, de Nelson Ferreira, só para o Bloco das Flores compôs naquela 1924, um samba (O Sabiá), uma marchinha (Ela Não Me Qué), outro samba (Aí Tamborete), dois sambas carnavalescos, e uma marcha-regresso, em homenagem ao presidente Pedro Salgado.
A imprensa abria amplo espaço para o carnaval do Recife (um pouco menos para Olinda), assim era obviamente cortejada pelas agremiações, nos seus roteiros era obrigatória a passagem pelos jornais, boa parte deles na Rua do Imperar, como o fez o Andaluza, que saiu à rua às 20h30 (sempre saíam à noite), visitou o Rato Cinzento, o Dragões de Momo, e as redações “parando em cada uma para executar, canções, marchas, e fados.
Os blocos foram saindo de cena nos anos 30. NO Carnaval de 1933, dos que estão na letra de Valores do Passado, poucos são citados na imprensa. Um deles é o Bebé (da Rua Campos Salles na Madalena), e ainda o Camponeses (do Arruda): “Da sua sede à Rua Nova Descoberta, 51, no Arruda, sair hoje às 19h, em passeata, pelas ruas de Água Fria, Arruda e Fundão, esse bloco campeão de 33 no Carnaval do Arruda” (no Diário da Manhã). O bloco não desfilava pela cidade, mas sua orquestra continuava”formidolosa”, com 45 componentes, e um corpo coral de 50 vozes, regidos pelo maestro Adalberto Cordeiro.
O Pavão Dourado ainda parecia firme e forte em 1937, direto da sua sede, na Avenida Caxangá, 1422, no Cordeiro, a Rádio Club de Pernambuco transmitiu uma festa, com orquestra dirigida por João Valença. O bloco homenageava o Conde e a condessa Pereira Carneiro (ele nascido em Jaboatão, ela de Niterói, e futura diretora proprietária do Jornal do Brasil), patronos da agremiação (notícia em destaque no Diário da Manhã, em janeiro de 1937). Um século depois, está aí o centenário Bloco das Flores homenageado no Carnaval do Recife, e o Bloco da Saudade “recorda assim recorda tudo o que passou”.