Terceira escola a entrar ontem na Sapucaí, a Mangueira defendeu o título conquistado em 2019 com uma mensagem que esbarrou na política. Conhecida por trazer política para o Carnaval, o samba-enredo da escola "A Verdade vos Fará Livre" narrou a trajetória de Jesus Cristo, transportando a figura sagrada para contemporaneidade e exibindo faces diversas de Jesus. O grande destaque da escola de samba do Rio de Janeiro foi o pedido por respeito e tolerância.
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"Numa época em que se prega tanto um Jesus bélico, intolerante e controlador, a Mangueira leva para a avenida o Jesus do Evangelho: amoroso, amigo, parceiro dos oprimidos", escreveu recentemente o teólogo e pastor batista Henrique Vieira, que assessorou a escola com o estudo da Bíblia para criar o desfile.
O enredo da escola falou de hipocrisia religiosa e apontou violências sofridas por minorias. Para reforçar a mensagem, Jesus surgiu como mulher, índio e negro com balas alojadas no corpo. Outra ala da Mangueira mostrava abuso do poder policial. "Meu nome é Jesus da gente. Nasci de peito aberto, de punho cerrado. Meu pai carpinteiro desempregado. Minha mãe é Maria das Dores Brasil", dizia trecho do samba-enredo.
Internautas comentaram sobre possível alfinetada ao presidente Jair Bolsonaro em trecho que diz "não tem futuro sem partilha, nem messias de arma na mão". Além disso, a citação bíblica "a verdade vos fará livre" é uma das mais usadas pelo presidente, que é apoiado pela bancada evangélica no Congresso e pela parcela mais conservadora da população.
E se Jesus Cristo fosse preto e periférico?
— The Hype Stuff (@TheHypeStuffBR) February 24, 2020
No desfile ele aparece cravejado de balas, seria diferente?
O desfile da escola de samba Mangueira representou Jesus em suas diversas e possíveis formas como MULHER, ÍNDIO, NEGRO.#mangueira2020 #Mangueira pic.twitter.com/T3aQHGbXCZ
"Mas será que todo povo entendeu o meu recado? Porque de novo cravejaram o meu corpo. Os profetas da intolerância. Sem saber que a esperança brilha mais que a escuridão", em outro trecho do samba da escola.
Comandada pelo carnavalesco Leandro Vieira, a agremiação levou 19 alas 5 carros alegóricos, 3 tripés e 4.000 componentes para a Sapucaí. O enredo-samba foi escrito por Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo e interpretado por Marquinho Art'Samba.
Samba-enredo da Mangueira
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do buraco quente
Meu nome é Jesus da gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais que a escuridão
Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E num domingo verde e rosa
Ressurgi pro cordão da liberdade
Mangueira Samba que o samba é uma reza
Se alguém por acaso despreza
Teme a força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também