“Deixe uma mensagem construtiva”: esta é a única instrução em inglês que aparece quando uma pessoa acessa o perfil de alguém no Sarahah. O aplicativo, criado na Arábia Saudita, se tornou assunto frequente nas rodas de conversa das pessoas antenadas em redes sociais, gerando debates e textões sobre as diversas formas de utilização desta plataforma.
Sarahah é uma palavra árabe que remete a “franqueza” e “honestidade”. O desenvolvedor do app, Zain al-Abidin Tawfiq, acreditava que as pessoas deveriam ser mais honestas na comunicação no ambiente de trabalho. A rede social, então, foi criada com o objetivo de incentivar a sinceridade, através do envio de mensagens anônimas.
Em conversa com o site Mashable, Tawfiq conta que sua ambição era ter mil mensagens enviadas com o Sarahah, que começou somente como website. Após o sucesso em países de língua árabe, foi traduzido para o inglês. Com isso, vários países tomaram conhecimento do aplicativo, e atualmente, ele ocupa a primeira posição entre os apps grátis mais baixados no iPhone no Brasil e nos Estados Unidos, entre outros países.
Simbolizado por um envelope de carta branco, o site inicial deixa claro a sua função: “tenha feedback honesto de seus colegas de trabalho e amigos”. A partir do momento em que você divulga o seu perfil, você passa a receber mensagens anônimas sobre o seu trabalho e, claro, vida pessoal. Além do anonimato do remetente, você enquanto receptor, não tem como responder diretamente àquela opinião postada.
A grande adesão no Brasil ao Sarahah se deve ao novo uso dado a ele por usuários. Ao criar uma conta, pessoas compartilham o nome de usuário em redes como Snapchat ou Instagram e uns passam a responder publicamente a algumas mensagens recebidas. Entretanto, muitos têm usado o “sincericídio anônimo” que o app oferece não apenas para compartilhar opiniões construtivas, mas também para difundir opiniões negativas sobre o usuário em aspectos de sua vida social e profissional.
FEEDBACKS
O Jornal do Commercio conversou com algumas pessoas que aderiram ao aplicativo do momento, e as experiências foram as mais diversas.
“É diferente do que estamos acostumados. Porque nas redes sociais em geral tem que se dar a cara para bater. A primeira mensagem que eu recebi lá foi um esculacho. Dá um sustinho”, conta a professora Eliziane Belchior, 27 anos. Para ela, estar no Saharah tem sido positivo: “Confesso que fiz por curiosidade, para saber se o povo ia pegar pesado comigo. Mas a maioria das mensagens que recebi foram legais. Ao mesmo tempo, reconheço que já vi uns prints por aí do povo abusando do bom senso”, admite.
Figura conhecida da cena stand-up de Pernambuco, o humorista Renato Bartolomeu, 29, também tem visto a rede social árabe com bons olhos. “Estou gostando. É algo a mais para passar o tempo, além de ser divertido. As pessoas mandam coisas muito criativas e inesperadas”, relata ele, que também tem sua ressalva: “A única coisa ruim é a curiosidade para saber quem comenta. Eu queria muito saber quem são essas pessoas. Mas tenho que me conformar porque provavelmente, nunca saberei”, brinca.
Enquanto uns colecionam boas experiências, outras pessoas têm sentido na pele o ódio anônimo através do Saharah. É o caso da ilustradora Thais Cavalcanti, 25. Casada com a professora Chris Nunes, 36, que está grávida através de uma fertilização in vitro, a artista queria receber um feedback profissional de suas criações, mas algumas pessoas resolveram abusar da liberdade que o anonimato proporciona.
“Em menos de 15 minutos que divulguei o meu perfil, já tinha um texto bíblico falando de minha sexualidade. Fiquei péssima. No dia seguinte, além das interações profissionais, chegou uma mensagem sobre Antônio, o nosso filho. Fiquei chocada, porque vi que as pessoas se aproveitam do anonimato para falar do que querem”, desabafou Thais. O casal acabou respondendo à crítica nas redes sociais e ganhou muito apoio dos amigos, mas Thais resolveu excluir o perfil no dia seguinte do ocorrido.
O anonimato do Saharah também incomodou o jornalista Salatiel Cícero, 27. “Eu desisti exatamente por ter essa interatividade ‘oculta’. Ou seja, você vê muita gente engajado na interação, mas por outro lado, se sente sozinho. Pois não sabemos, de fato, quem está por trás daquela comunicação. Por conta disso, acabei deixando de lado. Meu perfil ficou ativo por cerca de três dias apenas”, disse.
A psicóloga clínica Leila Costa comenta sobre essa incessante busca de opiniões sobre si neste tipo de aplicativo. “Somos seres sociais. Numa maior ou menor intensidade, necessitamos de aprovação externa (do outro). No entanto, é preciso compreender, se essa necessidade está no campo da normalidade ou da patologia. O Sarahah tenta, de certa forma, suprir essa curiosidade/necessidade de saber o que os outros pensam sobre o sujeito”, comenta.
Criado a princípio para fins construtivos, o app tem feito, pela forma como vem sendo utilizado, com que as pessoas avaliem se vale a pena estar exposto a esse anonimato, que pode trazer retornos positivos e negativos. “Falar que o anonimato reduz o impacto das palavras é algo questionável, principalmente, se pensarmos em pessoas emocionalmente fragilizadas, que geralmente estão num processo conturbado de construção da autoimagem. Pessoas nessa condição podem não ter suporte para receber feedbacks negativos e várias podem ser as consequências: baixa da autoestima, sensação de inadequação social e profissional, além de distorção da autoimagem. Vale salientar que o exercício da empatia é algo pertinente, seja no mundo real ou virtual”, conclui Leila.