Nascida em Garanhus, sem os dois braços, Tatiana cuida de dois filhos, é manicure, cozinha, faz tricô com os pés, além de mandar mensagens pelo celular. Ao ser perguntada sobre suas maiores dificuldades, não sabe responder. No dia 22 de março, ela estará no Recife para contar sua história na abertura da exposição do projeto fotográfico O Sertão vai virar Mar, da fotógrafa petrolinense Patrícia Patriota, que conta com o apoio dos Correios. A mostra acontece no Espaço SinsPire Cultural, localizado na Praça do Arsenal, a partir das 10h, seguindo até o dia 31 deste mês.
Fazer um apanhado antropológico da vida e tradição do povo sertanejo era o que pretendia Patrícia quando, em março de 2017, iniciou sua viagem que totalizou, já em dezembro do mesmo ano, 10 mil quilômetros. Do sertão ao litoral, tinha como companhia o seu celular android, que substituiu a câmera na sua empreitada de fotografar o que via e quem via. Além da sustentabilista Patrícia Xavier que acompanhou de perto o trajeto, contribuindo com um olhar mais técnico para a relação do povo com o meio ambiente.
Percorrendo as 12 regiões de desenvolvimento em Pernambuco, a fotógrafa passou por cidades como Recife, Serra Talhada, Garanhus, Petrolina, Floresta e Sertânia, em expedição pelos caminhos das águas do Rio São Francisco. A viagem não foi contínua, o que permitiu à Patrícia ir e voltar aos mesmos locais, criando proximidade e confiança com os moradores.
Além disso, o projeto, que começou de forma independente, até conseguir o apoio dos Correios, contava com a boa vontade dos nativos: “A gente contava em alguns lugares com amigos recebendo em casa e família também. Então como somos sertanejas, obviamente temos muitas famílias não só em Floresta, Petrolina, mas em Sertânia e outras regiões que a gente passou”, explica Patrícia Patriota.
O cotidiano registrado
Sertanejas de nascença e coração, Patrícia Patriota e Patrícia Xavier perceberam o que os moradores locais custavam enxergar em si próprios: a beleza. Buscando romper com o esteriótipo do povo sertanejo “coitado”, a ideia “foi fotografar eles como grandes, lindos e guerreiros como eles são. Então nós ouvimos, por exemplo, a parteira Antônia dizer “Nossa, eu não sabia que eu era assim”, (risos), e eles não têm o costume de tirar foto e revelar, então a gente fazia questão de levar um quadro. Eles começaram a entender que a vida deles tem muito mais coisa interessante do que eles pensam”, ressalta Patriota.
Visitando reservas, lugares indígenas sagrados e festas locais, procurou-se, nas fotografias, trazer o que não era conhecido. “Você tem uma transversalidade para o turismo muito forte, porque às vezes o local nem é tão explorado, então tem lugares que tem forró pé- de-serra todo sábado, como em Salgueiro na casa do sanfoneiro, onde a gente conheceu Kinho Callou que fez a música do projeto”, enfatiza Xavier.
Outra preocupação era compreender a “sustentabilidade” da própria cultura, que é afetada pelo meio ambiente, como explica Xavier, “Reconhecendo que Pernambuco é um estado vulnerável e sujeito à desertificação, a gente começou a ver na prática da primeira viagem, que tinha muito processo de migração e começamos a se preocupar com isso”.
Mais do que um registro fotográfico, explica a idealizadora, o projeto caminhou para um registro histórico quando perceberam a responsabilidade que tinham ao “eternizar” tradições que estão desaparecendo. “Muitas culturas, nós percebemos que estão desaparecendo, como os Penitentes, que já foram 170 no grupo e hoje eles são 12, e o número mínimo para manter a tradição são 12”, complementa Patrícia Patriota, refletindo sobre as novas gerações.
Uma segunda fase do projeto está sendo planejada, com a possibilidade de criação de um banco de dados com todas as entrevistas que foram realizadas. Além de um livro fotográfico, site colaborativo e um documentário. O intuito é expor a mostra e vários estados do país, sendo Recife a primeira cidade a receber.
Exposição
Com um formato interativo, a mostra, dividida em três ambientes, inaugura oficialmente o Espaço SinsPire Cultural (Praça do Arsenal, bairro do Recife). Do dia 22 de março até o dia 31 de março, o público poderá ver as fotografias, assistir ao curta metragem e assistir palestras e apresentações culturais. Além de Kinho Callou, outros artistas foram convidados, como o Grupo de Maracatu Yalu, Coco Trupé, Caretas de Triunfo, Confraria do Rosário, entre outros. Também haverá assinatura de uma parceria com o Governo do Estado para veiculação do curta após o dia 31.
“A gente tentou ao máximo levar conteúdo, a fotografia e o vídeo já é um conteúdo riquíssimo, mas a gente queria provocar mais, por isso que veio a questão de fazer os debates e abrir palestras para que as pessoas que cheguem lá possam trocar conhecimento e ideia”, enfatiza a curadora do espaço Luciana Nunes.
SERVIÇO:
Lançamento da exposição: O Sertão Vai Virar Mar
Período: 22 a 31 de março
Horário: 10h às 19h
Onde: Espaço SinsPire Cultural (Praça do Arsenal, Rua da Guia, nº 234, bairro do Recife)
Entrada Gratuita
Mais informações: www.osertaovaivirarmar.com
Programação 22/03
10h - Abertura oficial/ Mestre Irineu (repentista)
10h30 - Lançamento do documentário
10h45 -Apresentação do tema: "Água - Cenários mundial, nacional e regional e a relação com a manutenção das tradições" (Alexandre Navarro - Representante da ONU)
11h - Debate:"Água, Cultura, Saberes e Tradições" (Deyse Viana Ferraz de Araújo, Patrícia Patriota e Patrícia Xavier)
11h30 - Assinatura de acordo com o Governo do Estado/SEMAS para veiculação do curta em escolas públicas
14h - Debate:"Cenários para Incentivo a Projetos Culturais" (BNB, SESC, CHESF e CORREIOS)
15h - Oficina de produção de mudas com alunos, professores e gestores de escolas públicas
16h - Apresentação cultural: Coco Trupé (Arcoverde - PE) com personagens do projeto OSVVM
16h30 - Exibição especial do filme curta-metragem OSVVM