“A minha evolução é retroativa, eu vou estar evoluindo a partir do momento em que eu mais me aproximo de minhas raízes”. As palavras do mestre Afonso condizem exatamente com a missão que lhe foi atribuída em 1996, quando o Maracatu Leão Coroado, mais antiga nação pernambucana, passava para suas mãos. Ele vem cumprindo sua função como o oluô (sacerdote máximo) Luís de França também a exerceu, desde 1954 até 97, ano de sua morte: fazer maracatu não apenas por diversão, mas por devoção.
O projeto de Salvaguarda do patrimônio imaterial do Maracatu Leão Coroado promete registrar os aspectos positivos, mas também as barreiras enfrentadas pelo grupo, que reflete a realidade de tantos outros que fazem parte da cultura popular. O lançamento dos produtos de salvaguarda, que acontece no dia 03 de abril no Centro Cultural dos Correios (Av. Marquês de Olinda), a partir das 15h, inclui um documentário, produzido por Mateus Sá e o italiano Diego Di Niglio, um livro com vários artigos sobre a nação, de coordenadoria de Isabelle Câmara, além de um CD, produzido com o etnomusicólogo Climério Oliveira.
Em 2014, a iniciativa ganhou apoio do Funcultura mas, desde 2011, os documentaristas Mateus e Diego mantêm contato direto com o grupo. A parceria com o Instituto de Cooperação Econômica Internacional (ICEI – Brasil) fortaleceu o objetivo de promover políticas públicas capazes de estimular iniciativas culturais como esta. “Várias vezes, pelas dificuldades que os grupos de maracatu atravessam, pela precariedade estrutural que eles têm, não conseguem organizar materiais riquíssimos. O Leão Coroado tem mais de 150 anos, então tem materiais importantíssimos, de valor religioso”, enfatiza Diego.
Da esquerda para a direita: Diego Di Niglio, Mestre Afonso e Mateus Sá |
Além do ICEI e Funcultura, a ação tem o apoio da Comissão Pernambucana de Folclore, Fundaj, Museu da Abolição e Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
O documentário, alicerçado no conceito de memória, é composto por imagens tanto de acervo como atuais, construindo uma linha tênue que perpassa o presente e o passado. “A gente usa isso como um mergulho nos acentrais, juntamente com o momento atual, que a gente foi acompanhando em várias situações, em desfiles nas ruas, em momentos mais íntimos, na sede e na casa. A gente também constrói um diálogo imaginário entre o mestre Luiz e o mestre Afonso, exatamente para que a gente tenha esse antes e agora, deixando muito claro a coerência do que é feito hoje a partir das palavras de Luiz”, explica Mateus.
O CD, gravado no Fábrica Estúdios, foi pensado de forma a garantir a essência musical do grupo: “Climério organizou junto com o mestre o processo de gravação, para que esse pudesse ser feito com qualidade de estúdio, mas sem perder a essência do maracatu, que é sua espontaneidade, a sua execução ao vivo, de rua, então foi gravado ao ar livre com a tecnologia de estúdio”, afirma Diego.
Raízes
Quando, em 1996, mestre Afonso integrou o Leão Coroado, teve de aprender tudo de uma vez, já que não tinha conhecimento de maracatu. A permissão para que o prosseguimento, segundo ele, foi dada pelos Orixás. Nos últimos tempos de vida, que passou na casa de Afonso, Luiz de França ensinou o que pôde. “O grande mestre queria tocar fogo em tudo, ele falava que nem tinha quem tomasse conta, nem ia deixar como museu, ele ia tocar fogo que era pra acabar tudo que nem ele”, complementando, “Quando passou o carnaval foi o primeiro meu e último dele, e quando foi em maio de 97, ele faleceu, aí eu tive que tocar a barca mesmo”.
Nascido em 1º de Agosto de 1901, Luís de França nasceu na rua da Guia, bairro do Recife, filho de um ex-escravo africano, tendo assumido a liderança no maracatu por volta de 1954. O Leão Coroado, que existia desde 1863, nasceu para ser reduto do candomblé. Hoje, nada mudou. Não é “cultura para turista ver”, como diz seu Afonso. “Tive que tirar o maracatu da competição, se eu ficasse eu ia me estilizar, igual os outros”, e sobre botar o grupo para desfilar, afirma, “Eu não boto mesmo, não volto, só quando eu morrer e alguém botar”.
Ajuda
Além do lançamento dos produtos, no dia 03, haverá palestras e mesa de diálogo com especialistas e entidades, até 20h. Outro objetivo importante do projeto é garantir uma nova sede para o Leão Coroado, que enfrenta constantes dificuldades financeiras. No dia da apresentação, o material confeccionado será distribuído gratuitamente, mas, posteriormente, será vendido por valores simbólicos para ajudar na construção do espaço: R$ 40 (livro), R$ 20 (CD) e R$ 20 (DVD, com documentário e extras).
Para comprar, é necessário entrar em contato pelo site salvaguardaleaocoroado.wordpress.com, na aba “Parcerias e Incentivo”.
Programação:
15h - Abertura
15h30 às 16h30 - Palestra e mesa de diálogo, com Paola Verri de Santana (pesquisadora da UFAM), Mestre Afonso Gomes de Aguiar (presidente do Maracatu Leão Coroado), Cecília Canuto (pesquisadora e representante da Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Olinda) e Julia Cunha (Setor de Patrimônio Imaterial do Iphan - PE). Moderador: Diego Di Niglio, presidente do ICEI - Brasil
17h - Exibição de documentário “A Coroa do Leão”, de Mateus Sá e Diego Di Niglio (40 min.). Classificação indicativa: livre.
18h às 20h - Apresentação dos produtos realizados no marco do projeto de Salvaguarda*, a cargo do Mestre Afonso, Isabelle Câmara (coordenadora editorial do livro), Climério de Oliveira (diretor musical do CD), Mateus Sá (codiretor do documentário “A Coroa do Leão”) e Lía Miceli López Lecube (ICEI-Brasil). Participação de representantes da Secretaria de Cultura do Governo de PE, FUNDARPE, do IPHAN, das Prefeituras de Olinda e do Recife, da FUNDAJ e do MAB (*Na ocasião, os produtos serão distribuídos gratuitamente).