Funcultura

Tradição das loiceiras com o barro é tema de projeto fotográfico

O livro fotográfico "As Loiceiras de Tacaratu" terá lançamento no dia 26 de maio, às 14h30, no Museu do Cais do Sertão

Duda Lapenda
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Duda Lapenda
Publicado em 21/05/2018 às 12:59
Ana Araujo
FOTO: Ana Araujo
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Aos 14 anos, a fotógrafa Ana Araujo saiu do sertão de Tacaratu até a capital de Pernambuco, levando consigo todos os momentos vividos com as mulheres de sua terra. Trilhando um caminho diferente das conterrâneas, Ana se formou e decidiu retribuir aquelas com um registro etnográfico que eterniza uma tradição milenar, de origem indígena Pankararu, das “loiceiras”. Como o nome e as mãos meladas de barro indicam, as senhoras são responsáveis por um “fazer” que atravessa gerações, do qual saem potes, panelas, jarros, tachos e cuscuzeiras, as tradicionais “loiças” ou “louças”.

O livro fotográfico As Loiceiras de Tacaratu, do qual 20% das vendas será destinado às loiceiras, conta com o apoio do Funcultura 2015 e está prestes a ser lançado no dia 26 de maio, às 14h30, no Museu do Cais do Sertão. São pouco mais de 100 páginas que condensam 30 anos de pesquisa, iniciada em 1987, quando a fotógrafa ainda estudava Jornalismo. Em 1988, o projeto foi apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso na disciplina de Fotojornalismo, tendo a pesquisa concluída apenas em 2017.

Já nos lares das próprias loiceiras, residentes na comunidade do Sítio Altinho e na aldeia Brejo dos Padres e da Tapera, de origem indígena Pankararu, pode-se observar a contradição que não dá margem para a dúvida quanto ao avanço das novas técnicas: até mesmo nas cozinhas das sertanejas, o alumínio predomina. A prática, agora, é apenas uma fonte de renda complementar, quase um fazer simbólico que resiste ao tempo. “Ficou impossível sobreviver apenas da venda das loiças. A agricultura e o serviço doméstico complementam a renda familiar”, diz Ana.

Ana Araujo
- Ana Araujo
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Ana Araujo
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As constatações da pesquisa vêm acompanhada de um olhar sensível para a realidade das loiceiras, somente possível graças à aproximação da pesquisadora com o objeto. “Já conhecia a maioria delas, mas comecei fotografando, em 1987, a mestra loiceira do Sítio Altinho, “Tônia Loiceira”. Ela faleceu em março de 2012, aos 80 anos de idade. Convivi com ela até 2009. Era uma mulher exemplar, destemida e incrivelmente forte, que precisou criar os filhos sozinha”, relata a fotógrafa.

Com essa percepção aproximada, ela conseguiu registrar o dia-a-dia das mulheres em duas fases históricas da fotografia, marcando a passagem do analógico para o digital. As primeiras fotos do livro, feitas com a câmera analógica 35 mm, ainda são ruidosas, o que causa um efeito incrível de recorte memorial. “Embora eu também tenha um certo “saudosismo”, típico de fotógrafos iniciados no processo analógico, a digitalização é importante e facilitou muitíssimo o ato de fotografar”, afirma. O digital, no entanto, chegou bem depois no trabalho da fotógrafa, em 2007, especificamente.

TRADIÇÃO INDÍGENA

A prática milenar de fazer utensílios com o barro (branco ou vermelho) retirado da Serra de Tacaratu, era comum entre grupos de origem indígena e hoje continua a ser perpetuada pela oralidade. “As loiceiras, como são chamadas hoje na região de Tacaratu, remetem à história da produção da cerâmica no Sertão desde tempos milenares”, explica a historiadora Bartira Ferraz Barbosa, que esteve em campo com a fotógrafa.

Ainda segundo a pesquisa, um dos fatores que contribuiu para a preservação da técnica de manufatura entre as sertanejas foi o desconhecimento acerca do torno, uma ferramenta que permite a agilidade na hora de modelar a cerâmica. “Como mostro nas fotos, com 30 anos de diferença, essa forma de modelação do barro permaneceu totalmente manual e com o uso dos mesmos instrumentos orgânicos, tirados da própria natureza, como pedras, seixos, sabugos de milho e pedaços de cabaça”, explica Ana.

Foi observando esse processo artesanal das loiceiras que a fotógrafa despertou para o seu próprio processo de construção e consciência da sua identidade cultural. “Ela já vinha fotografando a cerâmica, desde o início da carreira dela, e talvez ela tenha se tornado fotógrafa a partir dessa atração”, afirma Bartira em relação à companheira de pesquisa.

A pesquisa, no entanto, não se esgota com o lançamento do livro. O desejo de continuar as ações com as loiceiras se estende através do projeto Prosa – Projetos para o Semiárido, uma associação de mulheres fundada pela fotógrafa há 13 anos. O objetivo é desenvolver iniciativas de economia criativa para “ajudá-las nessa luta pela sobrevivência, na divulgação e na articulação de apoios”, explica Ana. Com o Prosa, já foram implementadas 23 bibliotecas rurais, além de ministradas oficinas gratuitas de fotografia, artes plásticas, audiovisual, inclusão digital e arte digital, com software livre.

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