O paraibano Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda na época da hiperinflação, de janeiro de 1988 a março de 1990. Não conseguiu domar o dragão que impunha ao brasileiro correções de preço acima de 1.000% ao ano. Sobre isso, ele diz que suas ideias de ajustes foram vencidas pela fragilidade política do governo Sarney, que não conseguiu convencer o Congresso a implantar mudanças previstas no Plano Verão de 89, como demissão de todos servidores não estáveis, a extinção de vários órgãos públicos e um programa amplo de privatização, adotado anos mais tarde.
Hoje ele é um palestrante de sucesso e consultor econômico sócio da Tendências, empresa reconhecida pelo Banco Central como uma das que mais acertam projeções para economia brasileira. Dentro de seu expertise, ele prevê tempos difíceis para os brasileiros em 2015, com a economia em recessão, numa queda de até 2,6% do PIB, caso haja racionamento de energia, e inflação em alta, fechando em 7,3%. Trata-se de dificuldades geradas por visões ideológicas ultrapassadas e em voga na visão petista de administrar, comenta. Maílson estará no Recife no próximo dia 25 falando para uma platéia na Fiepe sobre os cenários de curto e médio prazo. Ele adianta um pouco do assunto nesta entrevista concedida por e-mail ao repórter Leonardo Spinelli.
Jornal do Commercio – O aperto fiscal sempre ocorre do lado do contribuinte. É difícil o governo cortar despesas?
Maílson da Nóbrega – Nem sempre tudo vai para o contribuinte. O governo consegue cortar gastos, mas o esforço é limitado pela rigidez orçamentária. Mais de 90% das receitas da União têm destinação obrigatória: pessoal, INSS, educação, saúde e encargos financeiros da dívida pública. Além disso, há despesas não mandatórias, mas que, na prática, são igualmente obrigatórias, como os programas sociais e os investimentos mínimos em infraestrutura e modernização das forças armadas. Sem uma reforma fiscal que elimine grande parte das vinculações de receitas a certos programas, ajustes fiscais sempre dependerão, pelo menos em parte, de elevação da carga tributária.
JC - O governo vai atingir a meta fiscal de 1,2% do PIB este ano? Como avaliar o embate que o governo vai ter com o congresso? E as manifestações populares? Como conseguir esse objetivo de ajustar as contas?
Maílson – Parece difícil atingir a meta de 1,2% do PIB para o superávit primário. O mais provável, mesmo assim com dificuldades, seria 1% do PIB, o que constituiria um bom resultado diante da herança da desastrosa gestão fiscal do primeiro mandato de Dilma. Além disso, não se pode descartar modificações nas propostas do governo pelo Congresso, o que poderia impedir até mesmo o alcance do nível mais modesto do superávit. As manifestações populares poderão despertar instintos populistas no Congresso, criando novas dificuldades. Em qualquer dos casos e tendo em vista a rigidez imposta pelos gastos obrigatórios, o governo seria forçado a recorrer a aumento de tributos para evitar que um mau resultado ameaçasse a preservação do grau de investimento duramente conquistado pelo Brasil.
JC – Como o senhor avalia a possibilidade de o rebaixamento da nota da Petrobras para grau especulativo contaminar o grau de investimento do País?
Maílson – Não se pode descartar o efeito do rebaixamento da nota da Petrobras sobre a classificação de risco do País, mas é pouco provável que haja a contaminação. A avaliação do risco soberano depende essencialmente da área fiscal. Se o ajuste fiscal em curso fracassar, inclusive com a saída do ministro da Fazenda, o rebaixamento será inevitável. Por ora, as indicações são as de que Joaquim Levy [ministro da Fazenda] conta com apoio para conduzir o ajuste. Ainda que este seja insuficiente para recuperar o crescimento da economia, ao menos garante que, por ora, não deveremos perder o grau de investimento.
JC – O senhor acredita em racionamento de energia? O que isso vai impactar na economia?
Maílson – Não se pode falar em racionamento antes de abril, quando termina a estação chuvosa no Sudeste. As indicações até aqui são, infelizmente, as de que podemos não escapar de uma restrição no fornecimento de energia. O efeito na economia dependerá do nível do racionamento, variando de 0,8% a 1,4% do PIB, se for de 10% ou 15% (de racionamento), respectivamente.
JC – O Brasil é uma das economias mais fechadas e essa característica ficou mais evidente com a política de conteúdo nacional da Petrobras. Como o senhor avalia este tipo de protecionismo?
Maílson – O enunciado da questão é absolutamente correto. Esse diagnóstico foi feito nos anos 1980, quando se iniciou o processo de abertura da economia, posteriormente acelerado nos governos Collor e FHC. A partir de 2013, com a chegada do PT ao poder, voltaram ao palco ultrapassadas ideias protecionistas. Uma mistura de ideologia, velhos conceitos e lobby do setor privado ressuscitou o protecionismo do passado, que foi às alturas com o restabelecimento das regras de conteúdo nacional na exploração do petróleo. Para piorar, os governos do PT decidiram rejeitar ideias de realização de acordos bilaterais de comércio, preferindo apostar no Mercosul e na ação multilateral que viria da Rodada Doha, o que nunca se materializou. A aposta na relação Sul-Sul fracassou, como se sabe. O Brasil perdeu oportunidade de integrar-se às cadeias mundiais de suprimento. O protecionismo contribuiu para reduzir a competitividade da indústria brasileira e para encarecer os custos da Petrobras. Sequer aproveitamos a bonança vinda da emergência da China como principal importadora de nossas commodities para avançar em reformas destinadas a elevar a produtividade na economia e, com ela, a competitividade. O fracasso é inequívoco.
JC – O Petrolão vem revelando um fato que todos de alguma forma já sabíamos. O sistema político eleitoral no País é corrupto. Como o senhor enxerga a verdadeira reforma política? Há espaço para o presidencialismo de coalizão?
Maílson – Não acredito em reforma política de envergadura no atual período de governo. Propostas vão aparecer, mas não passarão disso. Algumas podem piorar o sistema, como a do distritão, que tem lógica aparente – são eleitos em cada Estados os candidatos mais voltados – mas pode contribuir para degradar a situação, a julgar por experiências semelhantes que fracassaram em outros países. Reformas estruturais no campo político costumam ser lentas e incrementais, ao longo de décadas. Requerem liderança política de elevado quilate no Executivo e no Legislativo, com capacidade de mobilizar apoio social e político em favor de propostas bem estruturadas e de inibir a ação de grupos de interesse contrários às mudanças. Nada disso está disponível neste momento. Será uma surpresa se algo importante acontecer nesse campo.
JC – É possível falar em privatização num momento como este?
Maílson – Não. Os governos petistas são ideologicamente contrários à ideia. Não seria a presidente Dilma Rousseff, ardorosa defensora do estatismo, que lideraria um processo de privatização. Além disso, a sociedade brasileira ainda é majoritariamente antiliberal. A privatização de empresas como a Petrobras não contaria com o apoio da opinião pública, embora fosse a melhor solução para a empresa, para seus funcionários e para o Brasil.
JC – Qual o impacto da crise da Petrobras pra o resultado fiscal?
Maílson – A rigor, nenhum até este momento, a não ser de forma indireta, pois a queda dos investimentos da Petrobras e de sua cadeia de suprimentos vai reduzir o ritmo da atividade econômica e, assim, produzir queda da arrecadação tributária. A Petrobras, como se sabe, não recebe recursos do governo. Impacto fiscal ocorreria se o enfraquecimento da empresa obrigasse o Tesouro a uma substancial capitalização. É cedo para falar nisso.
JC – Vamos viver este ano uma recessão inflacionária? Qual a perspectiva do PIB para este ano?
Maílson – Dificilmente fugiremos de uma situação que combina recessão com alta inflação. A Tendências estima que o PIB vai cair 1,2% em 2015. Se houver racionamento de energia, a queda ficará entre 2% e 2,6%. A inflação vai superar o limite superior da meta (6,5%). Nossa estimativa hoje é de uma variação de 7,3% no IPCA deste exercício.
JC – Há como prever o crescimento para os próximos anos?
Maílson – Se o governo cumprir a meta de superávit primário e for capaz de restaurar a confiança do empresariado, é possível esperar uma leve recuperação da economia nos três anos finais do mandato da presidente Dilma. Nossa projeção seria, nesse caso, de crescimento de 1,3% em 2016, 1,9% em 2017 e 2,1% em 2018. Mais do que isso dependeria de reformas estruturais, principalmente na área tributária, e de fortes investimentos em infraestrutura, o que parece pouco provável.
JC – Como o programa de liquidez do Banco Central Europeu (BCE) vai interferir no Brasil?
Maílson – O aumento de liquidez é favorável ao País. Parte desses recursos migrará da Europa para outros mercados, em busca de rentabilidade. O Brasil é um destino natural pela sua solidez institucional e a atratividade de sua taxa de juros doméstica. Ficaria mais tranquilo o financiamento do déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos, que se situará entre US$ 80 e US$ 90 bilhões nos próximos anos. Como o investimento estrangeiro direto cobre apenas 60% a 70% das nossas necessidades de financiamento externo, é importante contar com um ambiente favorável ao fluxo de capitais de portfólio, isto é, os que são investidos em renda fixa e variável no mercado de capitais brasileiro.
JC – E a recuperação da economia dos EUA, o que isso representa para nós?
Maílson – A recuperação da economia americana se refletirá favoravelmente em todo o mundo. A maior expansão do PIB americano contribuirá para elevar as importações da China, ajudando a evitar uma desaceleração maior da economia chinesa. Por tabela, ganhamos aqui também, dado que a China é nosso maior parceiro comercial.
JC – Muita gente afirma que o senhor, hoje analista, não foi capaz de implantar políticas que controlassem a inflação quando foi ministro. Como o senhor responde a essa crítica?
Maílson – Esse tipo de crítica é prisioneira da ideia de que o ministro da Fazenda tem poderes para por em marcha suas ideias, independentemente do quadro econômico, social e político de sua época. É uma visão autoritária. Ministros acertam e erram, mas eles não agem dissociados do ambiente em que atuam. Exerci o cargo em um dos momentos mais difíceis da economia brasileira, em meio a uma transição complexa e sob um governo politicamente frágil. Mesmo assim, propus e defendi muitas ideias. Por minha iniciativa, no contexto do chamado Plano Verão, o governo propôs ao Congresso a demissão de todos os funcionários não estáveis, a extinção de vários órgãos públicos e um programa amplo de privatização que excluía apenas a Petrobras, o Banco do Brasil e outros bancos oficiais, e a Eletrobrás. O Congresso rejeitou todas essas medidas, pois o presidente Sarney não conseguiu mobilizar o necessário apoio político. Ainda que fosse diferente, entendo que, em um país onde prevalece a liberdade expressão, tenho o direito de expressar minhas opiniões. A longa trajetória no governo e no setor privado, os livros que publiquei e os temas que estudei me autorizam a continuar a contribuir para formar opinião em meu País. Assim pensam, creio, os veículos da mídia que me têm ou me tiveram como colunista nos últimos 21 anos.